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Marca ajuda a ultrapassar o paradoxo da escolha
Por Clarisse de Freitas
Paixão e Significado da Marca é o título do novo livro do estrategista de marcas Arthur Bender. Nesse volume, o autor mostra qual deve ser o “ponto de virada e transformação” para marcas corporativas, pessoais e de organizações. Bender, que já esteve na lista dos mais vendidos com o livro Personal Branding: construindo a marca pessoal, aponta os elementos que devem ser considerados na definição de uma estratégia de marca.
Jornal do Comércio - Qual foi o ponto de partida desse novo livro?
Arthur Bender - O ponto central do livro é a tese de que quanto mais sobrecarregados estão os consumidores, pelo número de oportunidades, menos eles conseguem decidir de uma forma racional, e mais emocionais se tornam as escolhas. Hoje as pessoas têm possibilidades demais. Esse é o paradoxo da escolha, porque todas as opções são muito parecidas e, como o consumidor passa todo o tempo sobrecarregado, há pouca coisa capaz de definir a decisão. A marca tem um peso brutal, funciona como uma bandeira que tira a decisão do estágio de racionalidade e leva para o emocional.
JC - Como isso acontece?
Bender - O consumidor passa a olhar a empresa, a marca corporativa e também as pessoas buscando o que é diferente, o que está de acordo com as causas que ele defende. E, diante daquelas onde identifica um significado maior, acaba tendo um brilho nos olhos, uma paixão. Isso funciona para marcas corporativas e também para marcas pessoais.
JC - Como uma marca corporativa constrói essa imagem?
Bender - A marca não vai vencer no mercado só pela técnica. A tecnologia, os processos e a entrega ainda são vistos como obrigação das empresas. Então o consumidor se pergunta assim: ok, a empresa cumpre o prazo, tem uma tecnologia adequada e um bom produto, mas por que eu a escolheria como marca? Para decidir por uma empresa, ela precisa ter um jeito especial de olhar para a sociedade, defender um propósito maior que seu produto ou serviço. A escolha é feita com base em propósitos. Quando a marca extrapola a ideia de produto ou serviço, passa a ser parceira filosófica do consumidor.
JC - Como está o processo de adoção dessa postura pelas marcas brasileiras?
Bender - Estamos em uma caminhada muito interessante, mas ainda não há muita gente dominando o conceito. Como exemplo, cito o Itaú e a sua ideia de vender crédito consciente. Olha que interessante, uma empresa que vive de vender crédito - e que, a grosso modo, quanto mais vender, melhor - tem uma atitude corajosa de dizer ao consumidor que compre com parcimônia, porque o produto pode lhe fazer mal. Questiono se o comércio varejista de eletrodomésticos conseguiria fazer o mesmo. Isso é uma atitude corajosa da marca. No livro falo também de Natura e de Dove com essa espécie de filosofia da beleza.
JC - O que distingue essa postura de tantas outras tentativas de atrelar marcas a posturas social e ambientalmente responsáveis?
Bender - As pessoas se dão conta quando há oportunismo nas ações. É como aquelas plaquinhas dos hotéis, que pedem para não lavar a toalha, como forma de salvar o planeta. É cinismo para economizar na lavagem. Estamos saindo dessa fase de enganação da sustentabilidade e indo para um momento mais verdadeiro e sincero. É uma questão que precisa fazer parte da filosofia da empresa, porque é diferente quando a sustentabilidade é feita de forma marqueteira, no mal sentido, e quando é de fato um valor da empresa. Estamos começando a enxergar quem é só discurso, papo furado. A criação de uma cultura interna vem do exemplo da alta diretoria. É um processo lento, de longo prazo. Baseado em coerência e consistência em todos os atos, para que a marca seja íntegra em todas as suas relações. Isso não tem margem para negociação.
JC - Muitas vezes, marcas consideradas mais sérias e responsáveis têm produtos mais caros. Como o mercado lida com essa relação de preço e responsabilidade socioambiental empresarial?
Bender - Nossas escolhas começam a ser mais baseadas em significados do que em preços. Pela tecnologia, tudo vai ficar muito igual, então as escolhas são baseadas no intangível. Cria-se uma espécie de conta-corrente, em que a percepção de valores morais, de integridade, dá crédito às marcas. Quanto mais crédito, menor a suscetibilidade ao preço. Quem não tem crédito moral, só disputa mercado pelo preço. No livro coloco que sempre tem o consumidor sensível ao preço, que só leva para casa o produto mais barato. Mas acho que existem duas arenas. Numa, a disputa é pelo preço, onde é preciso ter escala para fazer bons negócios - como acontece com as redes de varejo de eletrodomésticos. Na outra arena, que pode ser vista em diferentes segmentos, as empresas buscam significado para as marcas e as pessoas concordam em pagar um pouco mais (mas claro que há um limite). Esse processo não vai acontecer para todos os nichos ao mesmo tempo.
JC - Como esses conceitos se aplicam na gestão de carreiras?
Bender – É fácil constatar que quem encontrou significado no que faz é excelente no que faz e transborda paixão. Podemos pensar que, em algumas coisas, seria possível chegar à excelência pela repetição. Tem até uma teoria sobre isso. Mas, na prática, não é assim. Tem gente medíocre com muita experiência. Para chegar à excelência é necessário encontrar significado no que faz, e não interessa qual é a profissão. É importante perceber o seguinte: se você olhar para qualquer profissão com farol baixo, nada tem muita graça. Nada é muito legal de fazer. Mas quando você encontra um significado, aquilo cresce, fica grande e valioso.
JC - Como o profissional pode se proteger da rotina e do ambiente que quase nunca é o ideal para que ele desenvolva todo seu potencial?
Bender - É preciso buscar a intersecção de três coisas: o que ele pode fazer com excelência (e investir nessa atividade), o que tem valor no mercado e o que desperta paixão. A maioria das pessoas não se faz essas perguntas e não sai atrás dessa paixão que tem valor de mercado e que ela é capaz de desenvolver com excelência. As pessoas consideram que paixão é coisa de sonhador, que não é vendável. Todos nós temos uma paixão que pode virar uma carreira, mas, com o tempo, as pessoas se acovardam, se acostumam e vão tocando a vida. A estrutura de construção de uma marca é a mesma para empresas e para marcas pessoais. É uma construção de médio e longo prazo, que precisa coerência e consistência para construir valor com a mesma posição, com foco. A maioria das pessoas se torna marca esquizofrênica. Uma hora diz uma coisa e depois diz outra. O processo de construção tem que dar sinais no mesmo sentido, estamos falando essencialmente de reputação. Com o tempo, o profissional fica mais e mais valioso, fica quase inquestionável.
Arthur Bender