Mídia
Waltercio Caldas e o momento do objeto
Exposição coloca em jogo uma poética de lugares que extrapola a questão da cor
Não sei nadado artista, não sei nada do objeto. No entanto, quando me vejo pela primeira vez diante de uma peça criada por Waltercio Caldas, tenho uma intuição clara e inteligível: este ser não é daqui, veio do mundo das ideias e é essencial. “ Esse é o momento do objeto, aquele instante inicial de surpresa e aparecimento que suscitará novas questões, supondo que a linguagem da obra possua essa capacidade”, explica Waltercio. Para o artista, esse confronto inicial permanece fundamental. Do alto de seus 68 anos e uma trajetória que o coloca entre os mais celebrados criadores brasileiros contemporâneos, ele diz: “ Esse instante tem características inaugurais. Quando o objeto de arte aparece pela primeira vez, se apresenta somente na integridade da sua própria percepção”. Isso foi dito por Waltercio Caldas, por celular, quando ele se encontrava no interior de um dos salões da monumental Casa França-Brasil, no Rio de Janeiro. Deve ser o que ele pensa quando cria. Naquele momento, finalizava uma das obras de Cromática, a exposição que fica nesse espaço até 21 de outubro. São trabalhos que relacionam volume e cor. “Busco uma poética de lugares que extrapola a questão da cor, como se eu procurasse uma reciprocidade entre a volumetria e a forma da cor se relacionar com o objeto colorido. A cor não é simplesmente um fenômeno óptico: é também espacial. Volumetria e cor têm tudo para se confundir e criar uma situação em que não se sabe se o objeto é cor ou se a cor é objeto.” Waltercio detectou um novo público frequentando exposições no Brasil atualmente, além dos entendidos de sempre. Eles se deparam com o minimalismo elegante, entre a abstração geométrica e a arte conceitual de Caldas e ficam com a sensação de que estão diante de algo importante. Segundo ele, o público de arte vemmudando. Tem o especialista, mas também tem o público curioso que pede novidades. No entanto, não é exatamente empatia o que o artista tem a oferecer: “Não faço populismo perceptível, meu respeito com o público não tem nada a ver com facilitar códigos artísticos, afinal, a linguagem artística é produto do homem, é artificial, e deve ser tratada em toda sua complexidade”. Se for verdade que tem um pessoal que está chegando agora, a tarefa de “responder” (conceito caro a Waltercio) à obra do artista carioca não lhe será facilitada. Isso porque a busca artística de Waltercio nunca respeitou fronteiras e nem receia a sofisticação. “É difícil dizer se meu trabalho é concreto, se é abstrato. Tento preservar a desconstrução desses limites, o que é mental, o que é físico, o que é sensível, o que é psicológico. Um artista coloca em sua obra todas as suas prerrogativas, tudo se relaciona, tudo se realiza. O objeto final é a soma e a síntese de muitos fatores. A forma é simples, mas a formulação é complexa.” Então, pedi, à maneira de René Descartes queescreveu no século XVI as Regras para a Direção do Espírito, para que Waltercio Caldas me desse pelo menos algumas “regras para a percepção do espírito”. É claro que ele riu na minha cara, mas me deu uma dica: “Basicamente, meu trabalho se divide em duas partes: 1) os objetos que crio há décadas, e 2) a relação invisível entre todos eles”. Em toda obra há um olhar proposto e esse projeto para o olhar sofre alterações. “Essa evolução faz com que adense cada vez mais a concentração de um núcleo possível, e o fato de não saber onde está nem o que é esse núcleo faz com que novas questões sejam colocadas e a evolução continue.” Por fim, ele me informou que a Fundação Iberê Camargo fará uma exposição de 87 obras, entre instalações, esculturas, objetos e desenhos dos últimos 40 anos. Ela se chamaráWaltercio Caldas: O Ar Mais Próximo e Outras Matérias. “ Não será retrospectiva ou cronológica, mas seguirá uma ordem poética em função do espaço”, explica. No início do ano que vem, essa mesma exposição chega à Pinacoteca de São Paulo (de 2 de fevereiro a 7 de abril) e depois, em 27 de outubro de 2013, será a vez da instituição parceira, Blanton Museum of Art, recebê-la em Austin, Texas, EUA. Obras inéditas no Brasil estarão presentes: Eureca, O que é Mundo, Verde por Dentro, Planisfério, Talco, Donde, O Ovo, Azul de SuperfícieeAsas. Ambas as exposições são oportunidades para se extrair as consequências de se ver diante do “momento do objeto”.
Fundação Iberê Camargo