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05/12/2012 Revista Veja

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A mostra Morandi no Brasiltraz novamente ao país a obra de um dos maiores pintores do século XX: o mais antigo dos modernos e o mais moderno dos antigos

O pintor italiano Giorgio Morandi (1890-1964) não compartilha da mesma fama cintilante de seus contemporâneos Pablo Picasso, Salvador Dali e Joan Miro. Por isso, para os não iniciados, uma retrospectiva de seu trabalho carrega o prazer das grandes surpresas. Mestre das naturezas-mortas e das paisagens silenciosas e estáticas – a não ser pelo ruído eventual de uma pincelada mais vigorosa -. Morandi trilhou uma trajetória única de precisão e rigor, seguindo ao lado dos grandes movimentos estéticos do século XX sem realmente se engajarem nenhum deles. “Ele é o mais moderno dos antigos, e o mais antigo dos modernos”, define Lorenza Selleri, curadora da mostra Morandi no Brasil (em cartaz desde sábado, até 24 de fevereiro de 2013, na Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre). O título da exposição tem a ver não só com a relação do pintor com artistas brasileiros (Milton da Costa, Mira Schendel, Alfredo Volpi e Iberê Camargo foram alguns dos que receberam a influência “morandíana”), mas também, e principalmente, com o fato de seu ponto de banida ser a recriação da sala especial de Morandi na IV Bienal de São Paulo, em 1957.

A sala original era composta de trinta telas escolhidas pelo artista, que acabara de receber da Bienal o Grande Prêmio de Pintura (os outros concorrentes eram ninguém menos que o inglês Bem Nicholson e o russo naturalizado francês Marc ChagaIl). Desta vez, quarenta pinturas e quinze gravuras fazem uma síntese da evolução do trabalho de Morandi entre 1910 e os anos 60. Há também um espaço dedicado a três grandes painéis com imagens de seu ateliê – fotografado pelo italiano Luigi Ghini logo após a morte do pintor nas quais  aparecem os vários objetos cotidianos que eram seu tema recorrente: garrafas, latas, bules de metal, jarras, vasos quebrados, frascos diversos e algumas flores de seda. “Como as flores verdadeiras murchavam enquanto ele pintava, Morandi preferia as artificiais”, explica Lorenza. O pintor também aproveitava a poeira depositada sobre os objetos – não como licença poética, mas para explorar efeitos de luz e cor. Da mesma forma, preenchia recipientes de vidro com cal e tinta o para tomá-los opacos e obter assim o contraste entre volumes transparentes e formas sólidas. “Suas naturezas-mortas são concretas, têm peso e calor, quando comparadas às composições assépticas de um artista metafísico como De Chirico”, observa a curadora.

Apesar de não seguir uma cartilha tradicionalista. Morandi era devoto dos valores plásticos da pintura italiana antiga, principalmente dos anos 1300 e 1400, época da qual era um grande estudioso. Admirava sobretudo a obra de artistas como Píero della Francesca e Lorenzetti. Além disso, tinha verdadeira fixação pelas linhas austeras da arquitetura greco-romana, em sua alternância de colunas e espaços vazios. Duas obras da mostra – Paesaggio aGizzana(1932) ePaesaggio con SuadaBianca(1941) – são exemplos bem acabados das paisagens morandianas: na primeira, a natureza é retratada por meio de figuras geométricas traçadas com pinceladas magras. Na segunda, construções que lembram caixas são a única interferência num cenário solitário. Em ambas, impõe-se a total ausência de uma narrativa. “A força de Morandi está na paz de sua arte”, resume Carlo Zucchini, amigo que conviveu com ele no fim da vida e se tornou uma espécie de guardião da memória do artista. Desse mesmo período é a série de naturezas-monas com conchas que, segundo Zucchini, desmente que Morandi se mantivera indiferente às convulsões sociais e políticas da II Guerra. “Enquanto Picasso gritava comGuemica,Morandi escolheu cores sombrias e formas fossilizadas para sugerir o silêncio mais cruel que a guerra pode provocar”, acredita.

Outra parte da mostra é dedicada às gravuras, nas quais o mestre exibiu impressionante domínio técnico e um excepcional discurso figurativo, utilizando os mesmos motivos presentes na pintura. Segundo a curadora, a ausência de cor, as variações de luz e a precisão dos traços foram sugeridos a Morandi pelas obras de dois de seus favoritos: Rembrandt e Cézanne. “De Rembrandt, ele possuía duas belíssimas gravuras originais. De Cézanne, apreciava. a composição dos elementos, já que tinha conhecido as primeiras obras do artista através de fotos em e branco”, conta Lorenza.

Morandi não teve uma vida rica de aventuras ou episódios anedóticos, como se costuma esperar de um artista de sua magnitude. Nasceu e morreu em Bolonha – em cuja Escola de Belas Artes ensinou – e passou curtas temporadas de verão em Grizana, onde mais trabalhava do que propriamente descansava, porque dizia encontrar por lá  a paz e o silencio necessário à pintura. Era homem de poucos amigos elevavauma existência quase monástica. Carlolembraque Morandi era avesso a reuniões sociais e tinha  um temperamento difícil. “Como sempre viveu e trabalhou seja ele não se tornou uma caricatura de artista”, diz. E ai de quem lhe viesse com interpretações simbólicas ou leituras filosóficas de seu trabalho. Nesses momentos, disparava: “Não há nada mais surreal ou abstrato do que a realidade”.Morandi no Brasildeixa claro que o mestre, de fato, conhecia sua obra melhor do que ninguém.

Fundação Iberê Camargo



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