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Mídia

06/03/2013 Zero Hora

Artista Multimídia


Maior exposição de William Kentridge já apresentada na América do Sul chega à Fundação Iberê Camargo

Mostra do artista sul-africano conta com 31 esculturas, 32 desenhos, 26 filmes e animações, 115 gravuras e duas videoinstalações

Em 2007, na 6ª Bienal do Mercosul, a videoinstalação de William Kentridge dividia a atenção entre dezenas de outros artistas, como normalmente acontece em mostras coletivas de arte contemporânea.

Agora, o sul-africano retorna a Porto Alegre em sua primeira grande mostra individual na América do Sul. É uma oportunidade de conhecer com maior proximidade a extensa e diversa produção do artista, realizada nas zonas de intercâmbio entre desenho, gravura, pintura, escultura, vídeo e instalação.

A exposição William Kentridge: Fortuna apresentará, na Fundação Iberê Camargo (FIC), 31 esculturas, 32 desenhos, 26 filmes e animações, 115 gravuras e duas videoinstalações produzidos desde 1989, incluindo trabalhos inéditos. Tamanho recorte de obras estará distribuído em três dos quatro níveis do prédio às margens do Guaíba. Depois da inauguração na quinta-feira para convidados, a visitação gratuita estará aberta ao público a partir de sexta-feira.

Em seu estúdio, William Kentridge explora diferentes linguagens

Autor de uma obra que confunde categorias artísticas tradicionais, especialmente borrando fronteiras entre cinema e artes visuais, Kentridge, 57 anos, desenvolveu uma linguagem própria usando carvão, papel e uma câmera. Seus filmes desenhados – ou desenhos filmados – o transformaram em um nome conhecido no circuito internacional nos anos 1990. Desde então, já participou das principais mostras de arte, como a Documenta de Kassel (1997, 2003, 2012), na Alemanha, e as Bienais de Veneza (1993, 1999, 2005) e São Paulo (1998), além de exposições individuais no MoMA (1998, 2010), no Metropolitan Museum of Art (2005), ambos em Nova York, e no Louvre (2010), em Paris.

Na Capital, serão apresentadas 25 esculturas a mais do que no Instituto Moreira Salles, no Rio, onde começou a turnê de William Kentridge: Fortuna, que permanece até o fim de maio na FIC e, em agosto, segue para a Pinacoteca do Estado de São Paulo. A parceria das três instituições viabilizou a mostra exclusiva para o Brasil.

O ineditismo da exposição é reforçado por um trabalho feito especialmente para a primeira individual do artista no país. Nas páginas de uma edição em português do livroMemórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, Kentridge filmou uma intervenção com desenho e colagem – na qual, inclusive, coloca-se em cena. O "flipbook" (livro de artista animado) ganhou o título De Como Não Fui Ministro d'Estado. O artista comentou que a escolha do clássico machadiano, narrado por um "defunto-autor", deu-se pela possibilidade de transformar o absurdo em algo realista.

Segundo a curadora da mostra, Lilian Tone, o espaço expositivo do prédio da FIC tornou possível apresentar obras de maior dimensão do que no Rio, além de permitir que a montagem das esculturas privilegiasse os diferentes pontos de vista possíveis pela arquitetura interna. Ao relacionar diferentes trabalhos, William Kentridge: Fortunabusca revelar, mais do que obras isoladas, um conjunto que apresente o itinerário técnico e poético de um artista em constante elaboração.


Lugar de invenção

Em seu estúdio, William Kentridge explora diferentes linguagens

Segundo a curadora Lilian Tone, artista trabalha com o conceito de "acaso dirigido". Leia entrevista

William Kentridge é o tipo de artista que restringe ao estúdio o seu espaço de invenção. No isolamento, ele se volta a um processo experimental guiado pelo "acaso dirigido".

O artista começou a desenvolver seu peculiar modo de produção nos anos 1980. Desenha com carvão ou pastel e fotografa. A seguir, borra e redesenha na mesma superfície, fotografando cada alteração. E, assim, repetidas vezes. A técnica de animação é o stop motion, em que os diversos quadros são exibidos em sequência. Apagando desenhos e criando outros novos, mas mantendo vestígios dos traçados anteriores, Kentridge constrói e desconstrói signos, sugerindo questões como memória, esquecimento e passagem do tempo.

Vem daí também o reconhecido tom político de seu trabalho, com sutis referências à história da África do Sul e ao apartheid. Judeu de ascendência lituana, Kentridge nasceu em 1955, em Joanesburgo, testemunhando, na condição de integrante da minoria branca, o regime de segregação racial que vigorou entre 1948 e 1994. Mas o tratamento dado aos traumas ultrapassa as barreiras de seu país, oferecendo uma experiência pessoal sem ser autobiográfica ou intimista.

Foi assim que surgiu Drawings for Projection ("Desenhos para projeção"), primeiro projeto pelo qual ficou conhecido fora da África do Sul. A série de curtas foi iniciada em 1989, e o vídeo mais recente é de 2011. Na Fundação Iberê Camargo, William Kentridge: Fortuna apresentará, em conjunto, os 10 filmes, juntamente a 23 desenhos usados nos trabalhos.

Maior exposição de William Kentridge já apresentada na América do Sul chega à Fundação Iberê Camargo

Sem ser cronológica ou temática, a mostra pretende demonstrar que diversidade e vigor sustentam-se ao longo de mais de duas décadas de produção. A curadora Lilian Tone buscou mostrar como se dão os processos criativos de Kentridge em seu estúdio – um ambiente mais de invenção e menos de descoberta.

– A proposta é sustentar um olhar retrospectivo da produção do Kentridge, representando-a de forma a manter a profusão de ideias e plataformas, por vezes incoerentes, presentes no processo artístico – diz Lilian.

Entrevista - Lilian Tone, curadora

Zero Hora – Como o processo criativo desenvolvido por Kentridge no estúdio se relaciona com o conceito de "Fortuna", conforme o título da mostra?

Lilian Tone – Ao iluminar o processo de trabalho do artista, em vez de eleger um tema em particular, esse recorte nos possibilita fazer do estúdio do artista, em Joanesburgo, cenário e personagem em sua produção. Nesse espaço, Kentridge busca formas para ideias fragmentadas e contraditórias, seguindo como princípio a noção de "Fortuna". Para ele, "Fortuna" é uma espécie de acaso dirigido, descoberta ou sorte comum a toda busca incessante e apaixonada, algo distante do controle racional e da estatística fria. Para mim, "Fortuna" se refere a uma condição do trabalho artístico em estado constante de construção; à celebração da excentricidade, mas não em detrimento do engajamento político.

ZH – É possível situar a produção do artista, considerando que suas obras se contaminam por diferentes linguagens?

Lilian – A produção de Kentridge desafia classificações diferenciadoras de mídia e linguagens, o artista frequentemente as sobrepõem e as confunde. A exposição busca iluminar justamente a interrelação das várias linguagens, disciplinas e elementos iconográficos utilizados pelo artista.

ZH – Na poética de Kentridge, que lugar ocupam a memória social da África do Sul e o histórico do apartheid?

Lilian – Referências à memória social e política da África do Sul e ao legado traumático deixado pelo apartheid permeiam toda a obra do artista, porém, nunca de modo rígido, mas sim poético. Esses temas são elaborados pelo artista sempre com um certo grau de dúvida e incerteza. Em 1992, Kentridge declarou: "Nunca procurei fazer ilustrações do apartheid, mas os desenhos e filmes com certeza foram provocados e se alimentaram da sociedade brutalizada que ele deixou em seu rastro. Tenho interesse em arte política, o que quer dizer uma arte de ambiguidade, contradição, gestos incertos e finais incompletos. Uma arte (e uma política) em que o otimismo é mantido em cheque, e o niilismo, à distância."

Fundação Iberê Camargo



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