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19/08/2015
Homenagens ao centenário de Iberê Camargo encerram no MAM Rio
Retrospectiva Iberê
Camargo: um trágico nos trópicos apresenta, no MAM Rio, 134 obras
selecionadas pelo curador Luiz Camillo Osorio, que contemplam a produção
do artista a partir da década de 1950 até seus últimos trabalhos, nos
anos 1990. A exposição marca o final das comemorações do centenário de
nascimento de Iberê na cidade onde ele viveu 40 anos e onde consolidou a sua
formação e carreira artística. Pinturas, desenhos, gravuras e matrizes serão
exibidas de 5 de setembro a 1º de novembro.
A
exposição Iberê Camargo: um trágico nos trópicos, que em maio de
2014 abriu as homenagens ao centenário do artista no CCBB/SP e no final do ano
foi reconhecida como a melhor exposição retrospectiva pela Associação
Paulista de Críticos de Arte (APCA), em sua 59ª edição, será o marco de
encerramento do ano comemorativo ao nascimento do artista. As 134 obras, entre
pinturas (49), desenhos (40), gravuras (32) e matrizes (10), que serão exibidas
no MAM Rio, de 5 de setembro a 1º de novembro, incluem trabalhos especialmente
selecionados pelo curador, professor e crítico de arte Luiz Camillo Osorio para
a mostra na capital carioca, cidade na qual Iberê viveu 40 anos, de 1942 a
1982, e onde consolidou a sua formação e se consagrou como um dos maios
importantes artistas modernos do Brasil.
Na versão que será exibida no MAM Rio,
o público poderá apreciar desde obras da fase Natureza Morta, iniciada
na década de 1950, período em que Iberê retornou da Europa para o Rio de
Janeiro depois de estudar com mestres como Carlos
Alberto Petrucci, De Chirico e André Lhote, até as grandes e trágicas
telas de sua última fase, nos anos 1990, que incluem as séries das Ciclistas,
As Idiotas e Tudo Te é Falso e Inútil. “O núcleo
da exposição é o processo de amadurecimento da trajetória de Iberê, dos Carretéis até as telas dos anos 1980,
quando a figura humana começa a reaparecer. E como não poderia deixar de ser,
haverá uma pequena mostra complementar do Iberê gráfico, apresentada como uma
exposição de câmara, intimista, em que muitos dos seus temas e obsessões são
trabalhados no corte preciso da linha e das várias experimentações realizadas
como gravador”, diz Camillo Osorio.
“É justamente
o mergulho nas visões cruas e dolorosas da vida que me parece evidenciar a
dimensão trágica da pintura de Iberê, sua densidade existencial, sua recusa,
tão anti-brasileira, a crer que, ao fim, a harmonia afirmará. Ao longo de sua
trajetória, começando com as paisagens, passando pelos carretéis, pelo flerte
com a abstração - uma abstração feita de acúmulos e não de redução - e
chegando às últimas telas com uma figuração assombrosa, o que vemos é uma
paleta pouco solar, uma atmosfera de densidade angustiada, um corpo matérico
onde sensualidade e sofrimento se irmanam incansavelmente”, escreve o curador
em seu texto publicado no catálogo da mostra, que também reproduz artigos
escritos por Ferreira Gullar, Marcus Lontra, Walmir AyalaeQuirino Campofiorito, todos relacionados às
exposições realizadas por Iberê no MAM carioca (confira
na íntegra mais abaixo).
“A obra de
Iberê é tão atual, jovem e vibrante, que poderíamos batizar as celebrações como
o Centenário do Garoto, no caso do Rio, ou o Centenário do Guri,
quando a homenagem aconteceu na sua terra natal, no Rio Grande do Sul”.
Luiz Camillo Osorio também assina a organização e apresentação do livro
CEM ANOS DE IBERÊ, editado em 2014 pela Cosac Naify em parceria com a
Fundação Iberê Camargo. A obra, de 448 páginas, exibe 272 imagens e 13
textos curatoriais de exposições do artista realizadas pela Fundação Iberê
Camargo.
Segundo Fábio
Coutinho, superintendente cultural da Fundação com sede em Porto Alegre, Iberê
Camargo: um trágico nos trópicos é uma das maiores retrospectivas já
realizadas com a obra do artista. “Encerrar esta série de homenagens na cidade
que acolheu Iberê e no MAM Rio, instituição que realizou a sua primeira
exposição retrospectiva, em 1962, é uma dupla homenagem que nos deixa muito
felizes”, afirma.
SERVIÇO
O QUE | Exposição Iberê Camargo: Um Trágico
nos Trópicos
ONDE | Museu de Arte Moderna do Rio de
Janeiro (MAM Rio)
Av. Infante Dom Henrique, 85
Parque do Flamengo – Rio de Janeiro – RJ 20021-140
Telefone:
21. 3883.5600
QUANDO | De terça a sexta, das 12h às 18h.
Sábado, domingo e feriado, das 11h às 18h.
INGRESSO I R$14,00
Estudantes maiores de 12 anos: R$7,00
Maiores de 60 anos: R$7,00
Amigos do MAM e crianças até 12 anos: entrada gratuita
Quartas-feiras
a partir das 15h: entrada gratuita
Domingos
ingresso família, para até 5 pessoas: R$14,00
www.mamrio.org.br
www.iberecamargo.org.br
PENSAMENTOS DE IBERÊ
Ø “Pinto
porque a vida dói”
Ø “Minha
pintura em nenhum momento abandonou a estruturação da fase dos carretéis (...) Minha volta à figura (em verdade
nunca a abandonei) se deve ao esgotamento do tema e à necessidade de tocar a
realidade que é a única segurança do nosso estar no mundo – o existir”
Ø “Tenho sempre presente que a renovação é uma condição de
vida. Nunca me satisfaz o que faço. Ainda sou um homem a caminho”
Ø “O
drama, trago-o na alma. A minha pintura, sombria, dramática, suja, corresponde
à verdade mais profunda que habita no íntimo de uma burguesia que cobre a
miséria do dia-a-dia com o colorido das orgias e da alienação do povo. Não faço
mortalha colorida”
Ø “Arte, para mim, foi sempre uma obsessão.
Nunca toquei a vida com a ponta dos dedos. Tudo o que fiz, fiz sempre com
paixão. No fundo, um quadro para mim é um gesto, um último gesto”
Ø “As figuras que povoam minhas telas envolvem-se na
tristeza dos crepúsculos dos dias de minha infância. Nascem da minha saga, da
vida que dói. Sou impiedoso e crítico com minha obra. Não há espaço para
alegria. Toda a grande obra tem raízes no sofrimento. A minha nasce da dor”
Ø “Os carretéis são reminiscências da infância. São
combates dos pica-paus e dos maragatos que primo Nande e eu travávamos no
pátio. Eles estão impregnados de lembranças. Pelas estruturas de carretéis
cheguei ao que se chama, no dicionário da pintura, arte abstrata”
Ø “Sou um andante. Carrego comigo o fardo do meu passado.
Minha bagagem são os meus sonhos. Como meus ciclistas, cruzo desertos e busco
horizontes que recuam e se apagam nas brumas da incerteza”
Ø “Há alguém dentro de
mim, há alguém chegando com passos abafados: é a minha mãe, que vem me fechar
os olhos para eu dormir”
Ø “Não, meu coração
não é maior que o mundo. É muito menor. Nele não cabem nem as minhas dores. Por
isso gosto tanto de me contar. Por isso me dispo, por isso me grito, por isso
frequento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias: preciso de todos”
CRONOLOGIA
RESUMIDA
* Temos à disposição a
cronologia completa.
1914 Nasce Iberê Bassani de
Camargo, em 18 de novembro, em Restinga Seca (RS).
1939 Em Porto Alegre, trabalha
como desenhista técnico (Secretaria Estadual de Obras Públicas do Rio Grande do
Sul). Frequenta o Curso Técnico
de Desenho de Arquitetura
(Instituto de Belas-Artes). Casa-se com Maria Coussirat.
1942Recebe bolsa do Governo do
seu Estado para estudar no Rio de Janeiro, para onde se transfere com a esposa.
Ingressa na Escola de Belas-
Artes, mas a abandona, por
discordar de sua orientação acadêmica. Inicia um curso livre, ministrado por
Alberto da Veiga Guignard. Integra o
Grupo Guignard. Realiza a primeira
exposição individual em Porto Alegre.
1944 É extinto o Grupo Guignard.
Recebe medalha de bronze em pintura no 49º Salão Nacional de Belas-Artes. No
ano seguinte, recebe medalha de
prata na mesma categoria.
Passa a integrar diversas exposições coletivas no Brasil e no exterior.
1946 Realiza a exposição
individual “Iberê Camargo”, no Ministério da Educação e Saúde, Rio de Janeiro.
1947 Participa do 52º Salão
Nacional de Belas-Artes e recebe o prêmio Viagem ao Estrangeiro (pintura).
1948 Viaja à Europa com a
esposa. Em Roma, estuda gravura com Carlos Alberto Petrucci, pintura com De
Chirico, materiais com Leoni Augusto
Rosa e afresco com
Achille. Em Paris, estuda pintura com André Lhote.
1950 Retorna ao Brasil e, no
ano seguinte, começa a ministrar aulas de desenho e pintura no seu ateliê.
1951 Participa da I Bienal
Internacional de São Paulo e do 56º Salão Nacional de Belas Artes – Divisão
Moderna, no Museu Nacional de Belas Artes,
Rio de Janeiro.
1952 Faz 29 gravuras para
ilustração do livro O rebelde, de Inglês de Sousa. Apresenta essas
gravuras em exposição na Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.
1953 Participa do II Salão
Nacional de Arte Moderna, no Palácio da Cultura/Ministério da Educação e Saúde,
Rio de Janeiro.
1956 Toma parte da III Bienal
Hispano-Americana, em Barcelona, e o V Salão Nacional de Arte Moderna, no Rio
de Janeiro.
1958 Integra diversas
exposições coletivas, no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e em Quito, no
Equador.
1959 Participa do VIII Salão
Nacional de Arte Moderna, no Ministério da Educação e Cultura, Rio de Janeiro,
e da V Bienal Internacional de São Paulo.
1960 Recebe o prêmio de Gravura
na II Bienal Interamericana de Pintura y Grabado no México.
1961 Na VI Bienal Internacional
de São Paulo, ganha o prêmio de Melhor Pintor Nacional.
1962 A primeira retrospectiva,
no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM Rio), apresenta sua produção desde 1940, incluindo obras
emprestadas por diversos
colecionadores particulares. Participa da 31ª Bienal de Veneza, Itália.
1963 Apresenta-se em Sala
Especial na VII Bienal Internacional de São Paulo.
1964 Integra duas exposições
coletivas no MAM Rio: “Coleção Jorge de Carvalho Britto Davis e senhora”,
juntamente com artistas como Pierre Soulages, Rômulo Macció e Pierre
Alechinsky, na qual expõe o óleo Núcleo 2 (1963); e “Coleção de Ernesto
Wolf”, onde exibe o óleo Mesa com sete carretéis (1958), sendo um dos 21
pintores selecionados para a mostra.
1966 Executa um painel de 49 m²
oferecido pelo Brasil à Organização Mundial de Saúde, em Genebra.
1967 É
escolhido por um júri formado por críticos de arte, colecionadores e pessoas
ligadas ao meio artístico, em eleição promovida pelo Jornal do Brasil,
para representar a pintura, junto com Carlos Scliar e João Garboggini Quaglia,
no V Resumo de Arte do Jornal do Brasil, no MAM/RJ.
1968 Integra o júri do Salão Nacional de
Arte Moderna, Rio de Janeiro, e participa da 6th International Biennial
Exhibition of Prints, em Tóquio. O MAM Rio realiza em seu auditório (lotado) um debate
sobre os critérios de julgamento da obra de arte contemporânea, tendo como
moderador Antônio Houaiss, e com a participação, ao lado de Iberê, de Teixeira
Leite, Walmir Ayala, Aracy Amaral, Ferreira Gullar, Wladimir Murtinho, Gustavo
Dahl, Hélio Pellegrino, José Carvalho, Luiz Costa Lima, Rogério Duarte, Hélio
Oiticica e Sérgio Ferro. A fala de Iberê é reproduzida no Jornal do Brasil.
1971Participa do 9º Resumo de Arte do Jornal do Brasil, no MAM Rio,
selecionado por um júri formado, em sua maioria, por críticos de arte e
colunistas dos maiores jornais do país. Recebe Sala Especial na 11ª Bienal
Internacional de São Paulo.
1972 Reinaugura o ateliê na rua
das Palmeiras, no Rio de Janeiro, com uma exposição de pinturas e desenhos.
1975 Integra uma comissão para
conscientizar as autoridades sobre a precariedade dos materiais de arte
produzidos no Brasil e por melhores condições para sua importação. Participa da
13ª Bienal Internacional de São Paulo e de diversas exposições no exterior.
1979 Toma parte da 15ª Bienal
Internacional de São Paulo.
1980 O artista retorna à
figuração em suas obras.
1982 Volta para Porto Alegre,
onde passa a residir com sua esposa.
1983 Participa, na Fundação Nacional de
Arte (Funarte), da mostra “Arte moderna no Salão Nacional 1940-1982”, uma sala
especial do 6º Salão Nacional de Artes Plásticas, dedicada a discutir a
inserção da arte moderna no Salão Nacional, com curadoria de Anna Letycia e
Haroldo Barroso.Faz outdoor para a Rede Brasil Sul, exposto nas ruas de
Porto Alegre.
1984Executa, para a Funarte, dois painéis que, em 1986, são
doados pelo artista ao MAM Rio. Participa no
MAM/RJ, do 7º Salão Nacional de Artes Plásticas, com curadoria de Paulo Roberto
Leal, no qual é homenageado, ao lado de Manabu Mabe, Franz Weissmann e Maria
Leontina.
1985 Participa da 18ª Bienal
Internacional de São Paulo.
1986Por
ocasião da retrospectiva “Trajetória e encontros”, ocorrida no Museu de Arte do
Rio Grande do Sul e com itinerância no Museu de Arte de São Paulo, MAM Rio e
Galeria do Teatro Nacional de Brasília, Iberê doa ao MAM carioca seis
serigrafias produzidas no mesmo ano. Recebe título de doutor Honoris Causa pela
Universidade Federal de Santa Maria.
1987 Participa,no MAM Rio, da
mostra “Ao colecionador”, com curadoria de Paulo Roberto Leal, Paulo Herkenhoff
e Viviane Matesco, realizada em homenagem ao colecionador Gilberto
Chateaubriand e que reuniu os artistas vivos que compõem sua coleção, porém
apresentando obras que não fazem parte de seu acervo.
1988 Inaugura seu novo ateliê
no bairro Nonoai, em Porto Alegre. Lança o livro No andar do tempo, 9 contos
e um esboço autobiográfico.
1989Integra “Rio hoje”,
coletiva que levou ao MAM Rio, com curadoria de Paulo Herkenhoff, Viviane Matesco, Ligia
Canongia e Reynaldo Roels Jr., a coletânea da produção de 48 artistas
contemporâneos com atuação na cena carioca. Participa da 20ª Bienal
Internacional de São Paulo.
1990 Iberê Camargo volta à
atividade de gravura e Eduardo Haesbaert o auxilia como impressor. Realiza
exposição retrospectiva de gravuras, no Museu Nacional de Belas-Artes, Rio de
Janeiro e no Museu de Arte Moderna de São Paulo.
1991 Recusa-se a participar da
III Bienal Internacional de Pintura de Cuenca (Equador), em protesto pela
cobrança de impostos sobre a circulação de obras de arte.
1992 Recebe o título de Filho
Ilustre da Prefeitura Municipal de Restinga Seca (RS).
1994 Participa da 22ª Bienal
Internacional de São Paulo. Recebe uma exposição antológica no Centro Cultural
Banco do Brasil do Rio de Janeiro com curadoria de Ronaldo Brito.
Falece em 9
de agosto, com 79 anos.
ARTIGOS PUBLICADOS NO CATÁLOGO DE EXPOSIÇÕES NO MAM RIO
Iberê: do mundo à
pintura
Ferreira Gullar
Fonte: Jornal do
Brasil. Rio de Janeiro, 1º de novembro de 1962.
O Museu de Arte Moderna do Rio está
apresentando, em seus últimos dias, a exposição retrospectiva do pintor Iberê
Camargo, que obteve, na última Bienal de São Paulo, o prêmio de melhor pintor
nacional. Não se trata, portanto, de um artista de mérito discutível, e tal
observação estará implícita no comentário que aqui fizemos da atual exposição.
A mostra cobre um espaço de vinte anos de atividades do artista, como pintor
principalmente, mas também como gravador. Caminha-se das paisagens e
naturezas-mortas, de 1941, aos quadros abstratos da última fase, de matéria
espessa e tratamento largo. Iberê percorre, a seu modo, mas como todos os
demais pintores de sua geração, o caminho que conduz da figura à abstração, da
referência ao mundo exterior à interiorização da expressão até os sinais que já
não aludem senão ao processo psicológico do artista e, simultaneamente, à busca
pictórica. Inevitavelmente, os quadros antigos indicam uma vacilação em torno
deste ou daquele caminho, tendendo a uma linguagem de tons surdos e pinceladas
dramáticas que nos fazem pensar, também, no expressionismo de um Kokoschka; mas
pelo tratamento, não pela cor, nem pela temática. Súbito, cai o pintor na
simplificação dos meios, na matéria rala sobre a tela, cores cruas, linhas de
contorno acentuadas. Chega-se, então, à fase das paisagens objetivas, à la Utrillo,
ruas de subúrbios, casas velhas, muros gretados. O pintor tenta alcançar o
poético sem se desprender da realidade. Essa fase dura até a conhecida paisagem
da Lapa, que lhe valeu o Prêmio de Viagem ao Estrangeiro.
A volta da Europa indica o começo de
uma nova fase, em que os elementos subjetivos começam a preponderar sobre os
objetivos. Nas paisagens anteriores, podia-se determinar o ponto do qual o
pintor observava a paisagem, onde ele se situara com o seu cavalete para
pintar. Tal possibilidade decorria das relações objetivas entre o artista e o
mundo exterior, que agora, nessa nova etapa, desapareceram. As paisagens
pintadas não são nenhum lugar determinado, muito embora se identifiquem ali
casas, postes, ruas, árvores. A perspectiva é contraditória, a distribuição da
luminosidade é arbitrária, as cores fogem a qualquer identificação com a
realidade cotidiana: são paisagens de sonho, de chão azul, céus lilases,
plantas de um verde mágico, expressivo e onírico. Estamos a um passo da pintura
abstrata.
Naturalmente, a tendência subjetivista
traz o pintor para dentro de casa, para os temas de atelier: vista de
interiores, naturezas-mortas. O pintor, na sua luta por eliminar o mundo, muda
de front, e ataca os objetos de uso: as garrafas são alongadas e se
repetem de modo obsessivo. As cores mantêm o mesmo nível de ignição, que
espanta a cotidianeidade. Dessa contradição se alimenta toda a pintura
figurativa moderna: a busca do poético no cotidiano, a destruição do cotidiano
para ultrapassá-lo, a sua eliminação e, enfim, as formas abstratas.
Iberê chega a elas. Uma mesa, que já
não é mesa, com um grupo de carretéis. De quadro para quadro, os carretéis
assumem o primeiro plano da tela, a mesa some. Os carretéis perdem a
materialidade, viram silhuetas sobre um fundo densamente trabalhado, que ameaça
absorvê-los. Os últimos quadros de Iberê mostram, sobre esse mesmo fundo que
cresce e se enriquece de matéria, formas retangulares, indeterminadas,
dinamicamente compostas. A figura do mundo foi eliminada: o que resta é a
pintura.
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Iberê Camargo
No MAM, nosso pintor maior
Marcus Lontra
Fonte: Tribuna da Imprensa.
Rio de janeiro, 25 de fevereiro de 1986.
À
primeira vista, nada parece ter mudado. A sensação de abandono e vazio
permanece, mesmo com a presença de alguns banhistas que circulam entre as
colunas do Museu de Arte Moderna, protegendo-se da forte chuva que regularmente
aparece, todas as tardes, na cidade. É final de verão, as águas de março este
ano antecipam a sua chegada. Os banhistas se vão. Quantos, entre eles, sabem
ter-se protegido da chuva sob as estruturas do mais importante centro de arte
do Rio de Janeiro? Quantos, entre eles, já visitaram as dependências do MAM ou
percorreram as suas exposições? Poucos, talvez nenhum. Certa vez André Malraux,
então ministro francês, declarou, referindo-se a Brasília: “Que belas ruínas
darão as colunas do Alvorada!” Construído no início dos anos 50, em plena
euforia desenvolvimentista de um país “condenado ao moderno”, o MAM
ironicamente relembra com nostalgia o seu passado, seus momentos de glória, o
incêndio e o abandono, que caracterizam a sua história. É a nossa “tradição do
novo”.
Ao atingir-se, porém, o terceiro
andar, setor da administração, o pessimismo começa a ser dissipado. O ritmo de
trabalho é intenso: a vida está presente no interior da cédula. Paulo
Herkenhoff coordena as atividades culturais do Museu desde o final do ano
passado. E, nesse pouco tempo de estada, ele já pôde perceber que o fundamental
é determinar a filosofia geral da instituição e diagnosticar os males que a
afligem. E são inúmeras a doenças. “Quando assumi” – diz Herkenhoff – “o acervo
espalhava-se por sete salas, sendo que em três detectamos cupins nas obras,
além da presença de um barril de óleo diesel no subsolo. Isso mereceu um
tratamento imediato, já que colocava em risco a segurança do Museu. Outras
medidas, como o reforço das colunas de sustentação do prédio e a reformulação
técnica e administrativa serão tomadas a partir de março, o que nos forçará a
interromper as atividades durante seis meses, para que tais obras possam ser
realizadas”.
A verdade é que há muita coisa para
ser feita. A museologia desenvolveu-se muito nesses últimos 30 anos e o MAM não
acompanhou o processo. O corpo técnico é inadequado, técnicas de conservação
são menosprezadas, questões relacionadas com a segurança, com o excesso de luz,
com a umidade e a temperatura não foram jamais levadas em consideração. Não faz
sentido considerar o episódio do incêndio como uma tragédia inexorável, fruto
do acaso, e tampouco buscar responsabilidades pessoais, de caráter egoísta. É
preciso tirar-se lições do episódio para que ele não mais ocorra. As falhas e
negligências que acompanham a história do Museu têm a sua origem no amadorismo,
no desconhecimento técnico e na ausência de pessoal especializado. É da maior
importância que o MAM se profissionalize, que defina as suas atividades de
centro produtor atuante, promotor de eventos de real significado cultural na
vida da cidade, além de equipar-se seriamente para a guarda e conservação do
acervo, valorizado agora pelas obras da maior coleção de arte brasileira, a
Coleção Gilberto Chateaubriand.
“Estejam certos de que o ritmo de
trabalho nesses seis meses será intenso” – afirma, ainda, Herkenhoff. “A
responsabilidade da Coleção Chateaubriand é um dever de todos nós. Essa
conquista, tantas vezes ameaçada, é uma extraordinária vitória do povo carioca
e nós saberemos valorizá-la corretamente. É importante salientar o apoio que
temos recebido da Presidência da República, que nos liberou 2 bilhões de
cruzeiros, da Funarj, através de seu presidente, Darcy Ribeiro, que já nos
liberou 2,2 bilhões e liberará mais 4,5 bilhões de cruzeiros, da Prefeitura do
Rio de Janeiro, que liberará 3 bilhões de cruzeiros, além do apoio de diversas
empresas privadas que se dispuseram a colaborar mensal ou anualmente com verbas
que auxiliem a manutenção do espaço.”
Se é grande a disposição no setor
administrativo, no salão nobre de exposição é intenso o movimento. Antes da
interrupção justificada por Herkenhoff, o MAM inaugura hoje, às 18h, a mostra
Iberê Camargo – Trajetória e Encontros, que apresentará 70 obras do mestre
gaúcho, um dos mais importantes artistas brasileiros contemporâneos. A
exposição, organizada pelo Museu de Arte do Rio Grande do Sul, sob a curadoria
de Evelyn Berg e Icleia Cattani e patrocinada pela Companhia Iochpe de
Participações mostrará, além das pinturas, gravuras e desenhos de Iberê, obras
de alunos, professores e amigos do artista, entre os quais Utrillo, De Chirico,
Lhote, Guignard, Goeldi, Amilcar de Castro, Eduardo Sued, Anna Letycia, Carlos
Vergara, Carlos Zilio, entre outros. Algumas obras de Iberê serão apresentadas
somente aqui no Rio, como o autorretrato pertencente à Coleção Gilberto Chateaubriand
e dois painéis, Grito do Ipiranga, já e o Olho da consciência,
produzidos pelo artista, em 1983.
Um país onde muitas vezes o mercado de
arte apropria-se de valores medíocres, o justo interesse pela obra de Iberê
Camargo é um dos raros casos, entre nós, de reconhecimento capitalista à
inteligência da arte. A trajetória profissional de Iberê é a “aventura da
matéria”, o seu percurso comandado pela ousadia e pelo desespero. Lutador
incansável, Iberê explode juventude na sua revolta, no seu não conformismo, na
sua angústia de homem contemporâneo, solitário nos questionamentos do sentido
do ser e na razão do ofício, diante de suas telas, tintas e pincéis. Iberê
brada a excentricidade como máscara e pulsão, como arma de combate e defesa da
liberdade. A Arte aqui, como a vida, constrói-se pelo acúmulo, justifica-se
pelo processo, pelas camadas e camadas de matéria, pelos dias e noites,
sorrisos e tragédias. Considerado o mestre maior da nova pintura brasileira,
Iberê é o nosso herói moderno e romântico em sua busca da eternidade, registro
do tempo. Iberê, Maria, o gato Martin, figura do cotidiano e do afeto, imagens
que percorrem os caminhos da visão, matéria que se cria e se afirma pela
tortura da temporalidade, tinta sobre tinta, cor, pele e osso, história que se
trava, incessantemente, sem começo ou fim, na certeza de que “o artista é o
homem que toca o infinito”. A obra de Iberê Camargo dilacera o olhar para dar
claridade ao pensamento.
Na inauguração da mostra será lançado,
também, o livro Iberê Camargo, volume nº 1 da Coleção Contemporânea.
Editado pelo Margs-Funarte e com o apoio da Iochpe, o livro traz depoimentos de
Icleia Cattani, Paulo Herkenhoff, Pierre Courthion, Evelyn Berg e Wilson
Coutinho, além de ilustrações coloridas e em preto e branco, fotografadas por
Rômulo Fialdini e Pedro Oswaldo Cruz. O livro, cujo planejamento gráfico foi
criado por Amilcar de Castro é peça fundamental para todos os que se interessam
pela produção artística brasileira de nosso século.
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Walmir Ayala, 1971
Fonte: O resumo da arte do Jornal do Brasil. Rio de Janeiro:
MAM, 1971. Catálogo da exposição.
A
última exposição de Iberê Camargo confirma-o como o mais poderoso representante
do abstracionismo dentro da pintura brasileira. Um abstracionismo eivado de
signos, sobretudo marcado por um gesto denso, por um instinto de criação que
releva a matéria da pintura, em quase montagens de textura, com um ímpeto
perfeitamente estruturado em equilíbrio. O que é um quadro senão o pretexto
para uma demonstração de ordem? Mesmo que seja o caos, ou a paixão, a fonte
deste pretexto, um quadro, uma obra de arte, e mesmo uma antiobra de arte, deve
sempre comunicar o impacto de uma equação resolvida, e possibilitar ao espectador
a participação no conhecimento deste resultado. A equação pode ser a própria
desintegração, o submaterial, como no caso da arte povera e adjacências; pode
ser uma filtragem, uma síntese elementar, uma simplificação racional, como no
caso do construtivismo, minimal abstracionismo geométrico etc.; pode ser uma
interpretação do visível, da memória, da paisagem possível até a inversão do
onírico; pode finalmente ser o depoimento de um estado subjetivo, imediato,
gestual e bárbaro (dando-se a esta palavra o sentido de livre e tempestuoso).
Iberê
enquadra-se nesta última possibilidade e, quem o vê pintar, sabe que entre a
impressão do gesto e o impulso, vai o átimo impegável de um tempo que não
permite maiores reflexões. A reflexão está implícita no “metier” que, no caso
deste grande artista, é feito de renúncias, meditações, revoltas, contenção,
conhecimento das razões mais profundas de seu destino e da condição do artista
num mundo de catástrofes. Seria ocioso e superficial evidenciar aqui a riqueza
da expressão contida nesta mostra nova, de Iberê Camargo: seu empastamento
minunciosamente projetado na superfície da tela; o domínio do espaço granjeando
a cada tela, mesmo as menores, a sensação de painel ininterrupto; a evolução
das formas dos carretéis, como grandes massas chapadas de uma cor criada sobre
um fundo convulso onde se processam as grandes gêneses do espírito; a liberdade
de endossar novos registros de cor, sob as mesmas atmosferas patéticas em cuja
abstração cabe toda a experiência artesanal, toda a sabedoria humana. Tudo isto
seria pouco se não somássemos ao artista, à sua solidão, a participação do
homem, do professor, do membro de júris, do depoente, do alvo que repercute
sempre o acesso, e não perde a impostura e a fraude. Iberê Camargo, mais do que
qualquer outro artista brasileiro contemporâneo, é uma palavra que faz falta em
cada impasse, que discerne melhor na confusão. No entanto é um aparentemente
calmo este gaúcho interiorano, de relações exteriores lentas e sorriso ausente,
que se encontra indiscutivelmente na primeira fila. No então não troca a
dignidade pela primeira fila. Saúdo nesta página de apresentação o artista e o
homem, esta fusão perfeita de integridade e lucidez. A grande pintura de Iberê
Camargo, uma das poucas expressões que podemos ostentar, de nível certamente
internacional, é a primícia desta temporada em que o nihilismo tem posto, com
tanta frequência, as garras à mostra. No seu depoimento, recentemente publicado
no livro “A criação plástica em questão”, Iberê se denominava uma trincheira
que resiste. É desta decisão, desta verdade, desta consciência sem sombra, que
carecemos nesta hora de transe.
Diante
da obra apaixonada, do empastamento sensual e dramático de Iberê Camargo, mais
do que num depoimento gestual de cega motivação, somos levados a considerar as
urnas da memória. Memória como repositório de um alfabeto emocional (não estão
lá os carretéis da infância?). Memória antes da linguagem: antes da palavra
havia o ser. O artista procurando dar nome outra vez às coisas existentes. Na
onda irrepetível daquela massa de matéria emocionada vemos transcorrer o grande
mistério da forma. As formas não são fixas, estão se movendo na Forma. Cada
forma tem uma infinidade de possibilidades. O figurativo, ou abstrato, são
dentro disso mera solução para determinados alvos da memória subconsciente.
A
subjetividade avassaladora de Iberê Camargo não comporta reflexão
contemplativa, para medir o tempo estrutural que vai do modelo à imagem
acabada. Não e possível esta reflexão dissecadora porque o objeto, nele, está
fundido à emoção a partir do manuseio da matéria plástica. Esse manuseio vem
subordinado à rédea do espírito.
Assim
o que importa diante dessa obra madura, desde já, em sua inquietante proposta
de vitalidade, não é a coisa original, a paisagem imitativa que convence a
tantos na subserviência da pintura acadêmica. Com Iberê a paisagem é construída
e se conjuga à nossa paisagem interior, na qual somos árvore e o mar pungente,
a marca de um passo e a vertigem de um sonho. A proposta estimulante de Iberê
Camargo nos conduz a uma abertura para a consciência dessa paisagem, que tudo é
paisagem, e nela o homem mais que habita, se metamorfoseia. Homem dos pampas
interioranos, Iberê Camargo manteve este lastro de uma convulsão plena de
sussurros e estertores, de barros inflamados a um sopro de luz. E a partir do
espírito, que sobra e informa à sua imagem e semelhança.
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Iberê: Exposição no MAM
Quirino Campofiorito
Fonte: O Jornal. Rio de Janeiro, 4 outubro de 1962
Uma Exposição
Retrospectiva da obra do professor Iberê Camargo será inaugurada hoje, às 18
horas, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. É justa a curiosidade com
que está sendo esperada esta exposição. O pintor Iberê Camargo vem há muito
notabilizando-se entre os artistas brasileiros da primeira linha. Seu nome tem
sido constante nas seleções nacionais enviadas ao estrangeiro nos últimos anos.
O júri internacional da VI Bienal conferiu-lhe o Grande Prêmio Nacional de
Pintura. Como gravador tem não só realizado uma obra com admiráveis valores de
uma personalidade que escapa aos grupos que seguem orientações mais ou menos
uniformes, como deu ao ambiente dessa especialidade em nosso país uma
contribuição toda especial acrescentando à gravura brasileira um núcleo de
jovens que com ele estudaram e vão emprestando, como o mestre, uma contribuição
original.
Sua atuação de professor tem sido
equivalente à de artista. Não sabemos dizer se a Retrospectiva que o MAM
promove incluiu obras de gravura ou se limitar-se-á à pintura. Esta, realmente,
pode oferecer uma grande oportunidade na retrospectiva, pois Iberê Camargo
revelará, com suas telas de 20 anos de atividade artística, uma surpreende
evolução. Desde que formava no grupo de moços ligados ao “atelier” do saudoso
mestre Alberto Guignard, até suas atuais composições de acentuado interesse não
figurativo, mesmo pensando nas suas paisagens de Santa Teresa, suas telas com
as lições de De Chirico (logo que voltou da Europa) e as fantasias com os
carretéis – que perfazem as fases intermediárias – Iberê Camargo sem dúvida
desvendará com sua exposição um programa cheio de interesse e por vezes com
surpresas pelo inesperado de certas passagens de sua obra.
A tarde de hoje vai ter um interesse
inestimável para o ambiente artístico, com a abertura da Exposição
Retrospectiva ao nosso bravo pintor gaúcho. Na mostra, do MAM, estarão, por
certo, desde uma bizarra telinha pintada ainda em Santa Maria e algumas pochades
dos dias de estudante no Instituo de Belas Artes do Rio Grande do Sul,
até as composições na linha das que valeram ao artista o consagrador
prêmio nacional da Bienal de São Paulo de 1961.
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Iberê: Retrospectiva – I
Quirino Campofiorito
Fonte: O Jornal. Rio de Janeiro, 4 outubro de 1962
Está por dias a exposição
retrospectiva da obra de IBERÊ CAMARGO, no Museu de Arte Moderna do Rio de
Janeiro. Poderá ser vista até domingo próximo, quando será encerrado. Já
anuncia o MAM a retrospectiva da obra de Pancetti, com inauguração no dia 8,
quinta-feira, às 18 horas. As exposições retrospectivas, parecem-nos não se
justificarem com a obra de artista ainda na plenitude da carreira, como é
exemplo Iberê Camargo. São oportunidades para pôr em realce um artista no fim
de carreira, quando sua produção diminui de expressividade ou escasseia pela
incapacidade para o trabalho mais intenso. Está certa a retrospectiva que se
dedica a Pancetti, artista falecido, outra razão que justifica uma mostra com
prerrogativa de revisão.
Dizendo isto, queremos prestar ao
artista gaúcho que ora expõe todas as etapas de seu caminho artístico no MAM, a
nossa homenagem, a melhor homenagem que se lhe pode destinar – reconhece-lo na
plenitude de sua carreira e, portanto, sem necessidade de fazer, por ora,
demonstração de seu passado. Já que o seu presente se impõe sobremaneira e tudo
é seguro esperar para adiante. Iberê é artista em plena atividade, em inteira
posse de seus largos recursos como pintor e como gravador, de modo que uma
retrospectiva de sua obra não alcança ainda a curiosidade das exposições que
comportam a prerrogativa de alertar o público sobre uma personalidade que
atingiu a descida ou termina a curva de sua trajetória.
Nada disto cabe a Iberê Camargo, que
nos parece em plena ascensão. E precisamente quando o artista demonstra
aproximar-se de uma completa definição pela plástica abstracionista, a exibição
de sua produção anterior, dá a impressão de uma justificativa, no que
verdadeiramente não encontramos propósito oportuno. Mas este nosso pensamento
sobre as razões de uma mostra retrospectiva não afeta o interesse com que
revimos as antigas telas de Iberê. Mesmo porque, certas paisagens não foram
superadas, nem mesmo igualadas pelas composições mais atuais. Sobre aquelas já
podemos fazer um juízo mais sereno e claro, enquanto sobre as composições de
agora, somos levados a esperar uma natural sedimentação dos desejos que lhes
animam a inspiração.
Os mais antigos trabalhos expostos,
que são as telinhas de Porto Alegre (1941-1942), já confirmam o pintor
autêntico, ambicioso da matéria pictórica, agarrado às tintas generosas como
elemento expressional no contexto do quadro. De 1944 a 1958, residindo já no
Rio, Iberê obtém maior seriedade para as cores. Composições de “naturezas em
silêncio” são tratadas largamente, sem a pastosidade exorbitante. Contudo, o
pintor continua a pronunciar-se com suas características e mesmo acentua cada vez
mais esse pronunciamento, embora demonstre receber a influência primitivista de
Utrillo. É quando se desliga do grupo do saudoso mestre Guignard e passa a
caminhar isolado. As melhores telas desse período são datadas de 1955.
Em seguida é o Prêmio de Viagem. Iberê
demora-se mais em Roma e aproxima-se muito de Giorgio De Chirico (o famoso
pintor encontrava-se em seu período “indigesto”). De 1952 a 1956, encontra-se
na retrospectiva um numeroso grupo de quadros, que nós dizemos os de “cores de
luar”, dada a frieza dominante na cromaticidade geral. Os tons violáceos dando
marcas especiais no emprego de sombras projetadas em grande coincidência nos
planos vazios. Tratamento das tintas com untuosidade do óleo sobre telas
propositadamente preparadas com o mesmo “médium”, para evitar a fácil absorção
das tintas. Alguma estilização à maneira de André Lhote parece perturbar as
influências de De Chirico.
Apesar destas influências, o nosso
bravo Iberê faz afirmação de uma forte personalidade em quaisquer das telas
deste roteiro. Raríssimos pintores no Brasil deram aos temas paisagísticos
urbanos, uma significação pictórica tão autêntica e tão segura como a que se
assiste nas telas agora expostas no MAM. Chegamos às últimas etapas da evolução
de Iberê. Devem ser apreciadas com o devido vagar. Fá-lo-emos em próxima
crônica, quando acentuaremos no fato de que Iberê jamais teve o desapreço da
crítica, conforme algumas vozes insistem em afirmar.
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