Press releases
25/06/2015
Fundação Iberê Camargo traz a Porto Alegre retrospectiva do artista Abraham Palatnik, referência mundial da arte cinética
“A
Reinvenção da Pintura” reúne, pela primeira vez na capital gaúcha,
78 obras do artista brasileiro produzidas entre os anos de 1940 a
2000. A mostra ficará em exibição de 2 de julho a 4 de outubro e tem entrada
franca.
A Fundação Iberê
Camargo traz a Porto Alegre a retrospectiva itinerante do mestre
internacional da arte cinética Abraham Palatnik, com curadoria
assinada por Pieter Tjabbes e Felipe Scovino. “A Reinvenção da Pintura” vai
reunir 78 obras produzidas entre os anos de 1940 e 2000 e poderá
ser conferida de 2 de julho a 4 de outubro, de terça
a domingo (inclusive feriados), das 12h às 19h (último acesso 18h30min). A exposição traz, pela primeira vez à capital gaúcha, pinturas, desenhos,
esculturas, móveis, objetos e estudos do artista brasileiro conhecido por obras
que combinam luz e movimento e, muitas vezes, utilizam instalações elétricas.
“A
obra de Palatnik caracteriza-se por uma qualidade inegável. Permite não só observar as
passagens do moderno ao contemporâneo, mas também estudar e reconhecer uma das
primeiras associações entre arte e tecnologia no mundo, um diálogo cada vez
mais presente a partir da metade do século XX. Esta exposição ultrapassa os
limites da pintura e da escultura modernas, intenção que o artista manifestou
claramente nos Aparelhos cinecromáticos, nos Objetos cinéticos e
em suas pinturas, quando passou a promover experiências que implicam uma nova
consciência do corpo”, pontuam os curadores no texto de abertura do catálogo da
exposição.
Ainda
segundo os curadores, a singular contribuição de Palatnik para a história da
arte não se dá apenas por sua posição como um dos precursores da chamada arte
cinética — caracterizada pelo uso da energia, presente em motores e luzes —,
mas também pela leitura particular que faz da pintura e em especial pela articulação
que promove entre invenção e experimentação: “Seu lado ‘inventor’ está presente
em uma artesania muito particular que o deixa cercado em seu ateliê por porcas,
parafusos e ferramentas construídas por ele mesmo e não pelas tintas, imagem
característica de um pintor. O crítico de arte Mário Pedrosa e o escritor Rubem
Braga já afirmavam, na década de 1950, que Palatnik pintava com a luz”.
“Palatnik
dinamizou a arte concreta expandindo-a para além de seu campo usual e
integrou-a à vida cotidiana por intermédio do design. Ao longo de sua
trajetória, o artista produziu cadeiras, poltronas, ferramentas, jogos e
sofás, entre outros objetos. Sua obra habita o mundo de distintas maneiras,
apontando para uma formação incessante de novas paisagens e leituras à medida
que diminui, desacelera e molda o tempo. Nesta exposição reunimos todos esses
momentos da obra extraordinária de Abraham Palatnik. Uma obra que oferece ao
público experiências marcantes e solicita, em troca, uma entrega total”,
concluem os curadores.
Mais sobre Palatnik - Atualmente
o artista, nascido em Natal, vive e trabalha no Rio de Janeiro. É um pioneiro
da arte e da tecnologia em âmbito mundial, ao lado de nomes como Malina,
Schöefer e Healey. Seu primeiro aparelho cinecromático, Azul e roxo em
primeiro movimento, provocou um estrondo nas tradicionais convenções
relacionadas aos suportes da arte discutidas no júri de seleção da 1ª
Bienal de São Paulo, em 1951. A peça desconcertante de Palatnik foi
incorporada à Bienal e provocou forte impacto na crítica internacional,
recebendo um prêmio de menção honrosa. “A verdadeira arte do futuro”, como
Mário Pedrosa enfatizou em texto na Tribuna da Imprensa, naquele mesmo ano.
Radicado no Rio e à época ligado a artistas como Ivan Serpa, Almir Mavignier e
Renina Katz, teve experiências marcantes no Hospital Psiquiátrico de Engenho de
Dentro, no final dos anos 1940, que o levaram a abandonar a pintura.
O artista continuou a participar de
Bienais, como a 32ª Bienal de Veneza, em 1964, ao lado de Mavignier, Volpi e
Weissmann, entre outros; além de diversas exposições coletivas de peso, como
Arte construtiva no Brasil – Coleção Adolpho Leirner, em 1998 (hoje a coleção
pertence ao Museu de Belas Artes de Houston, nos EUA); e da edição inaugural da
Bienal do Mercosul, um ano antes. Palatnik tem suas peças em importantes
acervos nacionais, como do MAM-SP, do MAC Niterói, do MAM-RJ, do MAC-USP, e
internacionais, como do Malba, em Buenos Aires, além de constar em coleções
particulares prestigiadas.
Dos Cinecromáticos, passando para os
Objetos Cinéticos, as progressões em madeira e poliéster, os desenhos em papel
cartão e as progressões e pinturas sobre vidro mais recentes, a obra de
Palatnik sempre foi fruto de um olhar primeiro e cuidadoso para o mundo ao seu
redor. Doar um novo lugar para as coisas, engendrar poesia na tecnologia e
ampliar o horizonte da arte fez deste quase rejeitado artista da primeira
Bienal de São Paulo hoje uma referência da história da arte.
Fonte: http://www.nararoesler.com.br/textos/abraham-palatnik
SERVIÇO
O QUÊ| QUANDO|
Abraham Palatnik – Referência Mundial da Arte Cinética - de 2 de julho a
4 de outubro de 2015
ONDE| Fundação Iberê
Camargo, Av. Padre Cacique, 2000, Porto Alegre – RS
HORÁRIO DE
FUNCIONAMENTO| De terça a domingo (inclusive feriados), das 12h às 19h (último
acesso às 18h30)
ENTRADA FRANCA| As
empresas Gerdau, Itaú, Vonpar, IBM, Banco Votorantim e InterCement garantem a
gratuidade do ingresso
SITE | www.iberecamargo.org.br
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Iberê Camargo
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TRANSPORTE | As linhas
regulares de lotação que vão até a Zona Sul de Porto Alegre param em frente ao
prédio, assim como a linha de ônibus Serraria 179. É possível tomá-las a partir
do centro da cidade ou em frente ao shopping Praia de Belas. O retorno pode ser
feito a partir do BarraShoppingSul, por onde passam diversas linhas de ônibus
com destino a outros pontos da cidade.
Trechos do texto assinado pelo curador Felipe Scovino (publicado
no catálogo da exposição)
Palatnik
construiu a sua carreira como um autodidata. Com 4 anos, sai de Natal, em 1932,
e segue com a família para a Palestina. Realiza seus estudos escolares e a seguir estudos de mecânica e física,
especializando-se em motores de explosão. Frequenta um ateliê livre de arte e
passa a ter aulas de pintura e modelo-vivo.2 Pinta principalmente paisagens,
naturezas-mortas, retratos dos seus colegas, professores e familiares. Seus
primeiros desenhos são feitos a carvão e impressionam pelo traço consistente e
lírico. Nos seus primeiros anos dedicados à arte, a obra é figurativa. A
reviravolta na sua obra acontece em dois momentos temporalmente próximos. Quando volta ao Brasil, em 1948, um dos
seus tios cede o que seria o quarto do chofer da família para o artista. Esse
cômodo, situado no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro, transforma--se no seu
ateliê. Provavelmente por conta de seus estudos envolvendo mecânica e física,
assim como das aulas de arte e da sua inquietação natural,
qualidade típica do inventor, e surpreendido pela falta de luz em seu ateliê,
episódio que relata na entrevista publicada neste catálogo, Palatnik começa a
produzir uma das obras mais importantes da arte cinética em dimensão mundial: o
Aparelho cinecromático.
O segundo
momento, que sem dúvida alguma tem uma relação intrínseca com essa obra, no
sentido de iniciar e prolongar a sua pesquisa com o cinetismo, é o convite que
recebe, ainda como pintor figurativo, de Almir Mavignier para visitar o
Hospital Psiquiátrico Pedro II, sob a coordenação da dra. Nise da Silveira:
“Mavignier disse que iria me mostrar o
trabalho de uns colegas, e eu fui”. Os
colegas, na verdade, eram os pacientes esquizofrênicos da dra. Nise, pioneira
no uso da pintura e do desenho no tratamento psiquiátrico. Palatnik não
entendeu como aquelas pessoas, especialmente Raphael Domingues e Emygdio de
Barros, produziam imagens tão densas sem jamais ter passado por uma escola de artes: “Pensava que eu era um artista formado.
Resolvi começar de novo. A disciplina escolar, de ateliê, não servia para mais
nada”. Foi o momento de abandonar temporariamente os pincéis — porque o artista
voltará ao uso da tinta no final dos anos 1950, ao realizar obras com tinta
sintética sobre vidro —, mas isso não significou o abandono da pintura, como
ressalta Mário Pedrosa: “A pintura de luz de Palatnik continua a mostrar seus
encantos, a criar relações cromáticas sui generis”.
O fascínio
pelo movimento do jogo de luzes, a relação simbólica com a estrutura do
caleidoscópio — que o próprio artista ressaltou em texto — e por que não com o
cinema, e o aspecto lúdico que o Aparelho cinecromático possui não podem
mascarar uma importância que é singular nessa obra: não apenas marca o
pioneirismo da arte cinética no mundo, mas essa invenção dialoga intensamente
com a produção cinética na Europa e na América do Sul, particularmente na
Argentina e na Venezuela, assim como amplia o conceito de pintura. Se a pintura
atravessava novos procedimentos para a sua apreensão e comunicação ao
estabelecer diálogos intensos com a performance nos anos 1950 e 60, como foram os casos do dripping
de Pollock, as antropometrias (1960) de Yves Klein ou as ações
performáticas-pictóricas de Niki de Saint Phalle, a ampliação do termo
“pintura” em Palatnik se deu de forma delicada e silenciosa, mas nem por isso
menos intensa e importante que a vivenciada por esses artistas. Não podemos
esquecer a relação formal dos Cinecromáticos
e dos Objetos cinéticos (produzidos a partir de 1964) com o campo
escultórico.
Como relata
o crítico Romero Brest nos anos 1950, “há quase cinquenta anos os artistas
plásticos vêm fazendo esforços para adequar os meios materiais estáticos —
pintura e escultura — a uma concepção vital e, portanto, espiritual que exige o
espaço e o movimento como veículos de exteriorização emotiva”. O encontro com
Mário Pedrosa acaba por lhe mostrar que a
arte não tratava mais da representação, no sentido de intermediação entre o
mundo figurativo e a realidade externa a essa realidade. A tese de Pedrosa
sobre a natureza afetiva da forma na obra de arte narra que “não é a
subjetividade que vai explicar a imagem mas é a imagem que vai nos dar acesso àquela
subjetividade”, como acentuou Marcio
Doctors. Quando passa a frequentar a casa de Pedrosa, participando (de poucas)
das reuniões que incluíam o núcleo embrionário dos artistas que fundariam o
Grupo Frente em 1954, do qual também fez parte um ano depois, dois
acontecimentos marcam a trajetória artística de Palatnik. O primeiro é o
conhecimento da Gestalt por meio do livro de Norbert Wiener emprestado
por Pedrosa e das conversas que mantinha com esse crítico, e o segundo é o
contato com Almir Mavignier e Ivan Serpa, parceiros de vida e cujos trabalhos,
dentro daquele grupo, eram os que mais se aproximavam dos seus.
A pesquisa
de Mavignier sobre arte concreta converteu-se numa intensa produção de
cartazes, desenhos e telas, e, assim como sua proximidade com o design, criou um vínculo intenso com
a pesquisa de Palatnik. Serpa era outro artista que tinha muito interesse na
pesquisa sobre a Gestalt e em sua relação com a produção de arte
concreta. Suas telas executadas durante o período do Grupo Frente e a sua
produção ao longo do chamado neoconcretismo — apesar de não ter participado das
exposições nem assinado o Manifesto — conduziam para um diálogo com Palatnik.
Tanto Mavignier quanto Serpa foram pioneiros na pesquisa sobre op art no
Brasil — no fim dos anos 1960, Serpa
desenvolveria a série Op-erótica —, daí a singularidade dessas produções
e da aproximação com o estudo sobre cinetismo feito por Palatnik. Uma maior
falta de interlocução de Palatnik decorre tanto do âmbito tão particular da
pesquisa que realiza quanto do desejo pessoal de se manter afastado de
discussões teóricas sobre a arte. Ainda sobre o aspecto lúdico de sua obra,
Luiz Camillo Osorio em importante ensaio sobre o artista associa o trabalho de
Palatnik com o de Calder, cujas obras “nascem de gestos simples, de pequenos
achados onde sobram graça e encantamento”. Esse ponto de contato se realiza
porque a obra de Palatnik também é regida por uma economia de gestos e métodos
e porque o mesmo pensamento pictórico habita sua obra, assim como a noção de
magia ou ludismo que dela emana.
É
importante destacar que Calder esteve no Brasil, seja expondo ou participando
ativamente da vida social e artística nos anos de 1940 e 1950, e Pedrosa foi um
dos críticos que mais escreveu sobre ele, enaltecendo portanto sua ligação com
o Brasil. Osorio ainda acentua uma ligação desses artistas com o trabalho de
Miró. Uma característica importante na constituição dessa ideia de ludismo —
que aqui pretendo separar do riso fácil ou de uma interpretação rasa que pode
ser dada pelo espectador — é o caráter de transgressão e coerência na obra
desses artistas e a relação plástica que estabelecem entre geometria, paisagem
e novas percepções para a pintura: estabelecem diálogos com pesquisas tão
distintas quanto Cézanne, Picasso ou Tatlin. No caso de Palatnik há uma
característica de revelar o artista como artesão, no sentido de que todos os
elementos constituintes de suas obras são
produzidos por ele, não há assistentes envolvidos. O ateliê mais parece uma
oficina do que aquilo que imaginávamos ser o ateliê de um artista. Tanto em
Calder quanto em Palatnik, seus ateliês cheiram a óleo lubrificante ao invés de
tinta, apesar de ela também existir. O pincel é a luz (em Palatnik), a moldura
é o ar (em Calder), e em ambos a paleta é
uma gaveta recheada de porcas, parafusos, arames e metal.
As pesquisas artísticas
envolvendo o cinetismo no Brasil eram quase inexistentes no final dos anos 1940
e no início dos 50. Além de Palatnik, outra artista de destaque nessa pesquisa
era Mary Vieira, mas esse reduzido núcleo sofreu duplamente. Primeiro, porque
os artistas moravam em regiões díspares e não está claro se naquele momento conheciam a pesquisa um do outro, e segundo
porque o conservadorismo imperava de modo radical no campo das artes visuais.
Mário Pedrosa sem dúvida era uma saudável exceção. Um exemplo
desse conservadorismo, e ao mesmo tempo contrassenso, foi a recusa da 1ª Bienal
de São Paulo em aceitar a obra do artista porque o primeiro Aparelho cinecromático (1951) não se
encaixava em nenhuma das categorias regimentais da mostra. Palatnik acabou
sendo convidado a participar porque houve a desistência da delegação japonesa,
e ao final ele recebeu menção honrosa.
No final da
década de 1940 há a criação dos primeiros núcleos de artistas abstratos no Rio
de Janeiro e em São Paulo, o que provoca reações diversas de setores da
produção artística brasileira. Di Cavalcanti alertava: O que acho, porém vital
é fugir do abstracionismo. A obra de arte dos abstracionistas tipo Kandinsky,
Klee, Mondrian, Arp, Calder é uma especialização estéril. Esses artistas
constroem um mundozinho ampliado, perdido em cada fragmento das coisas reais:
são visões monstruosas de resíduos amebianos ou atômicos revelados por microscópios
de cérebros doentios. O abstracionismo nascente devia ser imediatamente
rechaçado. É nesse ambiente hostil que começam a se formar as primeiras
produções artísticas de ordem construtiva no Brasil. Em 1948, Mary Vieira
realiza sua primeira escultura eletromecânica, Formas elétrico-rotatórias,
espirálicas com perfuração virtual. Os Polivolumes são torres
vazadas, feitas em alumínio anodizado, formadas por semicírculos móveis em que
o espectador, agora transformado em participante, escolhe a posição destes. Essas estruturas são móveis
apenas no sentido horizontal. Aparelho cinecromático e Polivolumes acabam
por antecipar, por exemplo, as questões participativas que estarão presentes,
guardadas as suas devidas especificidades estéticas, políticas e artísticas, em
um primeiro momento nos balés neoconcretos de Lygia Pape e posteriormente nas
experiências pós-neoconcretistas de Hélio Oiticica e Lygia Clark. Se nos Aparelhos
cinecromáticos e nos Objetos cinéticos o movimento e a participação
se dão de forma autônoma em relação ao espectador — o que não acontecerá nas
suas pinturas de matriz construtiva, já que a mobilidade do espectador frente a
elas causa uma redimensão da ideia de movimento, dinâmica, e confronta a
suposta rigidez que uma pintura teria —, os Polivolumes anteciparam de
certa forma questões encontradas nos Bichos (1959-1964) de Clark.
Nesses dois últimos exemplos, a obra é o molde para a
nossa vontade. A questão da decisão sobre a forma do objeto passa a ser do
participante. Na obra de Palatnik percebemos
a influência (leia-se a chegada tardia) da modernidade no Brasil, e em
particular do construtivismo. Ao mesmo tempo, sua obra nos revela os pontos de
fuga (e aqui em confronto mais direto com a rigidez do Manifesto Realista) e a
contribuição que a arte brasileira ofereceu para o mundo no seu mais alto grau
de invenção.
Entrevista
do curador Felipe Scovino realizada em dezembro de 2012 (publicada no catálogo
da exposição)
FELIPE
SCOVINO —
Considero a sua obra como a trajetória de um pintor. Desde a pintura com luzes
dos Aparelhos
cinecromáticos aos veios dos trabalhos com jacarandá, passando pelos Relevos
progressivos feitos com cartões, até as séries mais recentes. Como avalia
esse posicionamento?
ABRAHAM
PALATNIK — Eu sempre me
considerei um pintor, embora ao longo do tempo eu tenha mudado radicalmente a
forma como a pintura aparecia. Muitas vezes eu realizava os Aparelhos
cinecromáticos e os Objetos cinéticos com a pintura.
FS — Um dado altamente relevante na sua
obra é o diálogo estabelecido entre tecnologia e intuição, e como o
experimentalismo e a organicidade sobrevoam a sua trajetória. Quer dizer, dois
dados aparentemente ambíguos encontram uma simbiose perfeita. É claro que a
ciência não é puramente objetiva, e a sua obra nos alerta justamente para esse
desvio.
AP — Eu gostava muito de experimentar
várias técnicas, realizar trabalhos com motores e articulações. Não considerei
a pintura especificamente como uma finalidade absoluta. Sempre estive associado
ao movimento no espaço.
FS — É interessante, porque percebemos na
sua obra que a ciência elabora também uma subjetividade, e essa característica
de certa maneira acaba desenvolvendo a participação do espectador. Por exemplo,
a série W nos
oferece um intenso diálogo com o deslocamento do espectador assim como da obra.
Um movimento duplo.
AP — Não era essa a minha intenção, mas
acontece que o espectador também se emociona, quer participar e fazer alguma coisa.
A intuição é um fator predominante, porque na hora de fazer um trabalho ela
sempre interfere.
FS — As obras advêm de projetos que
ficaram guardados durante muito tempo e apenas posteriormente puderam ser
realizados? Há estudos para todas as obras?
AP — Não. Alguma coisa eu projetei, mas
outros [estudos] foram modificados durante a produção do trabalho. Mas
normalmente eu não planejava. Por exemplo, veja o caso das hastes [dos Aparelhos
cinecromáticos ou Objetos cinéticos] que constavam no estudo: à
medida que vou produzindo a obra e de acordo com o espaço, eu vou modificando
as
suas
dimensões. No caso das séries de pinturas com ripas de madeira, essas
características de não haver um projeto são mais fortes. Pinto telas abstratas
que servem como “modelo” para as pinturas da série W. Passo para um
segundo estágio que é o corte das réguas com cores e formas próximas às das
telas que serviram como modelo. Na etapa seguinte, fico
trabalhando
as réguas para frente e para trás, [“desenhando” o futuro trabalho]. As cores
correspondem aos ângulos [da “pintura matriz”], as faixas podem corresponder,
mas na hora da produção final, tudo pode mudar. Portanto, eu faço os projetos,
deixo amadurecer um pouco e assim surgem as possibilidades de modificar uma
coisa ou outra. A ideia de
cada Objeto
cinético é uma constelação que é mais ou menos prevista, e a partir disso
vou construindo, apesar de que ocorrem durante a construção modificações no
plano original. Eu vou mudando o comprimento [das hastes] e o tempo de oscilação.
Isto é muito cerebral, porque parece que é algo simples de realizar, mas
existem muitas conexões e articulações
que
precisam ser coordenadas para que a obra funcione.
FS — Quais foram as suas referências
artísticas nos primeiros anos de produção? O que lia, viu, ou quais foram os
artistas que o influenciaram naqueles anos?
AP — Não creio que sofri influência
direta das correntes artísticas que predominavam à época. Quando faltava luz no
meu pequeno estúdio [em Botafogo, no fim dos anos 1940] usava velas para me
locomover no espaço. Foi isso que me deu a ideia de trabalhar com luz. Logo
depois comprei umas lâmpadas, comecei a ver as sombras e a luz vencendo
obstáculos.
E a atividade foi se desenvolvendo. Chamei o Mário Pedrosa ao ateliê e ele me disse
que eu estava indo muito bem. Isso me deu muita energia para prosseguir. Fiz um
“trambolho” enorme [o primeiro Aparelho cinecromático] com lâmpadas
colocadas em cilindros que giravam. Usava celofane colorido pra mascarar
algumas partes do cilindro,
como também
conseguia realizar movimentos horizontais e verticais.
FS — Voltemos um pouco no tempo. Como era
o ambiente cinético na arte brasileira nos anos 1950? Lembro-me da Mary Vieira,
do Sérvulo Esmeraldo, para não falar nos mais citados pela historiografia como
Maurício Nogueira Lima, Geraldo de Barros, Ivan Serpa, Sergio Camargo, Lygia
Clark,Lygia Pape e Waldemar Cordeiro, entre outros participantes do Grupo
Ruptura
e do Neoconcretismo. Em que medida havia (ou não) uma troca entre vocês? Como
foi a recepção da crítica nas décadas de 1950 e 60?
AP — Nós nos encontrávamos de vez em
quando, mas eu participei de poucas reuniões [do Grupo Frente e posteriormente
dos neoconcretos]. Isolei-me porque a minha ideia era o movimento, o que para eles
não significava nada. Eu queria um movimento real nos trabalhos. Ainda não
sabia como fazer isso, e foi quando me instalei no ateliê na Praia de Botafogo.
FS — Isso quando voltou da Palestina?
AP — Sim, eu fui para lá nos anos 1930,
ainda criança. Na hora de voltar para o Brasil, a guerra estourou, o
Mediterrâneo estava minado. Meu pai queria voltar para o Brasil, mas não havia
possibilidade. A única saída era ir para a África, de lá talvez encontraríamos
um meio de voltar, mas depois meu pai desistiu. Ele achava que a guerra duraria
pouco,
mas não foi
o que aconteceu. Quando voltei ao Brasil, nos instalamos no Rio e um tio meu
cedeu um quarto, que era reservado para o chofer — que por sinal ele nunca teve
— para que eu usasse como ateliê. Lembro-me que um dia, um vizinho chegou a
chamar a polícia.
FS — Por quê?
AP — Porque eu estava mexendo com luzes,
arames, e ele achou que
eu era um terrorista.
FS — Esse era o primeiro Aparelho cinecromático?
AP — Sim, me deu essa ideia de fazer alguma
coisa em movimento, ainda era com cilindros, umas polias e uma série de
artifícios. As ligações eram feitas com barbante, porque eu queria
experimentar, mas também sabia que não poderia finalizar com barbante. E o
vizinho, com uma luneta, de vez em quando olhava para o quarto, estranhou o que
eu fazia e resolveu chamar a polícia.
FS — Imagino que por volta desse período
tenha surgido o primeiro contato entre você e Mário Pedrosa. Como ele chegou
até você?
AP — Nós nos reuníamos muito na casa dele.
Ele era um intelectual com interesse não só em arte, mas na política. Lembro-me
que quando chegávamos à casa — eu, Almir Mavignier, às vezes o Ivan Serpa —, os
interlocutores do Mário que dialogavam sobre política iam embora. Eles sabiam
que o Mário, independente de política, do seu interesse
pelos
partidos políticos, também se interessava por arte. Conversávamos muito, e
certa vez ele me emprestou um livro sobre a Gestalt, de Norbert Wiener,
e naquela época ninguém falava nisso, mesmo entre os artistas. Ele me disse
para ficar com o livro porque ele tinha outros. Mário me disse que era muito
importante acompanhar o que estava escrito
naquele
livro. Eu li com cuidado e realmente me abriu um pouco os horizontes, as ideias
foram clareando então.
FS — E a participação na 1ª Bienal de São
Paulo aconteceu logo em seguida?
AP — Como disse, estava no meu ateliê
realizando o trabalho mas não tinha a menor ideia do que aconteceria. Enfim, eu
completei o trabalho e na hora chamei o Mário Pedrosa, e ele gostando do que
viu disse: “manda isso pra Bienal”. Eu tive que quebrar uma parte da
parede para tirar a obra do cômodo. Enviei a obra, mas a Bienal disse que
não
poderia ser
aceito porque não se enquadrava em nenhuma das categorias. Não era pintura, nem
desenho, nem gravura e nem escultura. Enfim, não cabia no catálogo. Não havia
como participar da Bienal.
FS — O trabalho permaneceu em São Paulo?
AP — Sim, mas logo depois encontrei o
Mavignier que me disse que a obra participaria da Bienal porque a delegação do
Japão não viria e a organização da Bienal resolveu aceitar o Cinecromático.
Foi uma sorte. Lembro-me que o Frans Krajcberg trabalhava como assistente na
Bienal e ficou encarregado de tomar conta da obra, porque havia uma engenharia
complicada
para ligá-la. O Krajcberg arrumou cadeiras, uma sala escura, e quando cheguei à
Bienal fiquei bem contente. Quando a comissão da premiação visitou a minha
obra, o Mário me ligou e disse que eles tinham gostado e que a obra poderia
inclusive ser apresentada no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Mas claro que
não poderia, porque era tudo muito improvisado. Os mecanismos eram toscos. Eu
tinha arrumado um ventilador, tirei tudo dele: as aletas, grades, o suporte
etc. Usei só o mecanismo oscilante dele para acionar as varetas com cilindros,
de maneira que estava funcionando precariamente. Eu pensei que esse mecanismo
não duraria, mas durou o tempo todo da Bienal. O barbante não rompeu, foi até o
fim.
FS — Como foi o convite para participar
do Grupo Frente? Os artistas se reuniam na casa do Pedrosa?
AP — Não, eles se reuniam sozinhos e
começaram a discutir teorias, e aí eu disse que aquilo não era comigo. Se
apegar a teorias? Não! Participei de umas duas reuniões, mas já estava com a ideia
formada de tentar o movimento, e eles naturalmente nem pensavam nisso. Então eu
me afastei deles, mas continuávamos amigos. Lembro que certa vez
encontrei o
Ivan Serpa na rua e ele me disse: “Virei um pintor moderno”. E eu fiquei me perguntando
o que era um pintor moderno.
FS — Parece-me que a sua posição foi
sempre estar à margem ou a uma distância segura dos debates mais
oficiais sobre a formação e produção do abstracionismo geométrico no país. Foi
nesse sentido que você preferiu não assinar o Manifesto Neoconcreto? Porque há
fotos em que você aparece na casa de Pedrosa e me parece que havia um
comprometimento com aquele grupo.
AP — Ainda em relação ao Grupo Frente,
recebi o convite da turma, participei de algumas exposições, mas em outras eu
dei uma desculpa e não participei mais. Com relação ao Manifesto, eu não
participei porque não tinha interesse no envolvimento com a teoria.
FS — Como se deu a sua formação como
artista? Nos anos 1950 e 60 não havia revistas, e poucos catálogos de
arte chegavam ao Brasil ou eram produzidos por aqui. A Bienal de São Paulo era
a grande fonte de pesquisa para os artistas, e imagino que no seu caso não
tenha sido diferente.
AP — A formação começou na Palestina.
Ingressei em uma escola de pintura, que era livre, e os exercícios eram
desenhos a carvão. Os colegas se revezavam, e eu também servia de modelo.
Lembro que esses desenhos com carvão, a gente apagava com pão.
FS — Teve alguma aula de arte no Brasil?
Frequentou cursos no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro?
AP — Não, excetuando aquela escola em
Tel-Aviv, fui um autodidata.
FS — Havia algum tipo de troca entre os
artistas sul-americanos que tinham a arte cinética ou op art como suporte? Estou me
referindo principalmente aos brasileiros, argentinos e venezuelanos, países em
que o cinetismo teve uma grande circulação e produção.
AP — Quando expus com a Denise René, nos
anos 1960, entrei em contato com esses artistas e visitei o Cruz-Diez lá em
Paris. Até hoje, tenho encontros esporádicos com ele e com o Julio Le Parc.
Recentemente ambos estiveram no Rio e encontrei-os.
FS — Imagino que Yaacov Agam ainda era um
estudante quando você estava na Palestina, mas havia artistas trabalhando com
arte cinética durante o período em que morou naquele país?
AP — Não havia artistas que se dedicavam
à arte cinética. Encontrei o Agam anos depois, em Paris. Ele me levou para o
seu ateliê e fiquei impressionado. Era uma fábrica. Havia várias pessoas
trabalhando para ele, algo que para mim era inconcebível, pois sempre trabalhei
sozinho.
FS — E complementando, quando e de que
forma a marchande Denise
René tomou conhecimento da arte produzida no Brasil? Imagino que os artistas
brasileiros que moravam em Paris e tinham relação com o cinetismo, como Lygia
Clark e Sergio Camargo, foram importantes para esse movimento.
AP — Parece que ela esteve aqui. Quando
estive em Paris ela me convidou para participar da exposição internacional de
arte cinética Mouvement 2, em fins de 1964 e início de 1965. Ela havia
conhecido a minha obra na Bienal de Veneza, em 1964.
FS — Voltando para tempos mais recentes.
Por que a escolha pelas letras W e K e a consequente numeração posterior? E
eles também não obedecem a uma construção em ordem crescente, mas aleatória, me
parece.
AP — Não há razão. Nem sempre a ordem
reflete a temporalidade ou a ordem de produção das obras. Às vezes, fui fazendo
trabalhos e não dava número. Assinava e datava posteriormente.
FS — Nas séries K e W há uma escolha cromática
de difícil conciliação, mas no seu caso ela opera de forma magistral. A
impressão que tenho é que todo o esforço é no sentido de operar dinâmica,
trânsito. As pinturas estão constantemente em movimento. E uma das grandes
diferenças em relação a outros artistas cinéticos é a inserção de uma
“tecnologia
barata”, ou então, podemos entender que a sua “tecnologia de ponta” é permeada
por barbante, vidro, cartão. Materiais baratos que são encontrados de forma
abundante no comércio.
AP — Eu sempre trabalhei com o que tinha
à mão. O primeiro Aparelho cinecromático é um exemplo disso. É uma
tecnologia inventada por mim, porque foi algo novo, não era conhecido. Fiz no
total 33 Cinecromáticos, e alguns deles ao longo do tempo foram
desmontados, as peças foram reutilizadas. Os comandos dos primeiros Cinecromáticos
eram feitos
também com pregos, uma tecnologia muito precária.
FS — Duas características me impressionam
bastante na sua obra. Primeiro,o caráter de coerência, o pensamento pictórico e
os gestos precisos e em muitos momentos econômicos com que produz as suas
obras. E a segunda característica é a forte aparição do artista como artesão:
não há assistentes, tudo é produzido por você, inclusive as ferramentas, em
determinados casos, se não estou enganado. O seu ateliê parece mais uma oficina
do que aquilo que imaginamos ser um ateliê (de pintura). Cheira a óleo
lubrificante em vez de tinta, apesar de ela também existir. O seu pincel é a
luz e a sua paleta é uma gaveta recheada de porcas e parafusos.
AP — Exato, [ainda] tenho os pincéis, que
raramente eu usava. Tornei a usá-los com o início das novas séries de trabalho
[notadamente a série das cordas e a W].
FS — Há uma diferença radical em como
construía as suas pinturas por meio das ripas de madeira e como elas são feitas
hoje em dia. Agora elas são cortadas a laser, e nos anos 1970 a prática era feita de forma
quase artesanal, por você, no ateliê.
AP — No começo eu tinha a necessidade de
cortar as ripas com uma serra de fita. As ripas possuíam várias espessuras e eu
as manuseava em cima da mesa. Naquela altura, rabalhava em apenas um cômodo da
casa [refere-se à casa atual, também localizada no bairro de Botafogo, no Rio
de Janeiro]. Ainda não tinha avançado pela casa, como
foi sendo feito
aos poucos. À medida que as experiências deram certo, finalmente cheguei à sala
[o seu espaço de trabalho aumentou], arrumei dois suportes e uma chapa bem
grande para dispor as pinturas. Eu subia numa cadeira e consegui ter a
possibilidade de realmente ver de perto e de longe, os cortes feitos com a
serra de fita.
FS — E como aconteceu a mudança para o laser?
AP — Queria que alguém cortasse isso, em
vez de eu cortar. Ganhei em tempo e precisão. Isto aconteceu há cerca de 8
anos.
FS — Mas antes de chegar às ripas, você
pinta com acrílica sobre Duratex que serve como uma espécie de modelo para a
etapa posterior.
Essas
pinturas são fatiadas?
AP — Quando descobri que o raio laser cortava
[as ripas] perfeitamente, deixando as bordas certas, [foi algo muito bom]
porque as chapas eram cada vez maiores e o trabalho de serrar em casa já não
dava certo. Mas fiquei acompanhando o corte deles por uns 2 meses, porque [a
empresa] nunca tinha feito aquele tipo de corte. No começo eram
umas tiras mais largas, mas aos poucos
cheguei ao mínimo que eu precisava. O tipo de espessura que precisava — mais
fina — seria mais complicado de conseguir se não fosse o laser.
FS — Depois que recebe a chapa “fatiada”,
você move essas ripas?
AP — Sim, ela chega com cortes no topo e
na base. No ateliê, eu emendo, corto na altura do topo, coloco uma fita crepe
antes de cortar porque senão embaralha tudo. E assim eu comecei a manusear a
chapa, realizando [ou alterando] a sequência das ripas, uma a uma, até sair uma
coisa perfeita.
FS — Acho interessante que nas pinturas
existe uma relação entre cores que em outras circunstâncias brigariam entre si,
seriam forças antagônicas, colidiriam entre si, e no seu trabalho, pelo
contrário, há uma harmonia e não conflito. Esta é uma característica que
distingue a sua obra, por exemplo, dos concretistas suíços ou alemães, que
exigiam
a ideia
de um projeto, de uma rigidez na execução das obras,
tanto do ponto de vista
prático quanto do teórico. E na sua série W quase sempre são formas de ondas impressas nas
telas, ou estou enganado?
AP — Nem sempre são formatos de “ondas”.
Às vezes mudo de acordo com o elemento, vou manipulando as peças aos poucos e aí
surgem as formas. O que é mais predominante vai se isolando do resto. Às vezes
eu começo a trabalhar a partir do meio, surgem as possibilidades e aí eu
termino.
FS — Parece que as pinturas estabelecem
uma continuidade extramoldura.
AP — Não, eu termino as pinturas com uma
característica bem clara, que é um final de um lado e um final de
outro.
FS — O movimento em suas obras é
delicado, preciso, mínimo e lento, especialmente nos Aparelhos cinecromáticos e nos Objetos
cinéticos. O que acho curioso é que essa qualidade de tempo cada vez mais se
perde nos tempos atuais. Há uma espécie de suspensão de tempo e espaço sendo
provocada pelas suas obras. Vivemos cada vez mais cercados de
informação
e num transbordamento de imagens em que o excesso revela o lado paradoxal
dessa “torrente tecnológica”: a desinformação ou o afogamento em dados inúteis.
Percebemos consequências graves como a banalização da imagem, e é nesse momento
que o seu trabalho se coloca. Parece-me que ele opera exatamente contra essa
automatização.
AP — Não saberia dizer se meu trabalho
opera dessa forma. No caso das pinturas, às vezes as obras possuem um centro
mais agressivo e finalizam num ritmo suave. O que eu sempre procuro é
centralizar os movimentos mais no meio e expandir para as bordas. Esta parece
ser uma característica que sempre sigo. No caso dos Aparelhos cinecromáticos
e dos Objetos
cinéticos, é outra dinâmica. Eu me esqueço completamente da ideia inicial e
vou executando as conexões, as articulações, para conseguir o que procuro.
FS — E essas duas séries possuem
movimentos mais precisos, mais lentos. Remetem-me a uma ideia de dança.
AP — Não sei se é balé...
FS — Há um ritmo mais cadenciado e ao
mesmo tempo o meu olhar se desmembra, ele percorre vários lugares ao mesmo
tempo.
AP — É isso o que procuro.
FS — Como foi a transição da pintura
figurativa para os Aparelhos
cinecromáticos? Penso que o contato com Raphael Domingues e Emygdio de Barros,
assim como com a dra. Nise da Silveira no Hospital Psiquiátrico do Engenho de
Dentro, foi vital para essa transição. Mas o que efetivamente aconteceu para
que esse desligamento com a figuração e
não com
a pintura acontecesse? Uma dúvida: eles nunca tiveram qualquer acesso a livros
de história da
arte?
AP — O Raphael, durante sua juventude, me
parece que teve uma experiência em um liceu. Ele já tinha uma relação com a
arte. Era esquizofrênico, perturbado, mas seus desenhos eram fantásticos.
Fiquei muito impressionado com os trabalhos deles. Admirava muito. E durante
algum tempo realmente abandonei a pintura. Eu disse: “Bom, tudo o que eu
faço é uma
porcaria, não vou fazer mais”. E abandonei mesmo os pincéis e as tintas e
fiquei assim por uns 2 meses. Fiquei perturbado demais, mas tive um contato com
o Mário [Pedrosa] e expliquei a ele o meu drama: “O que farei agora? Não tenho
mais condição de fazer a pintura”.
FS — Mas qual foi o motivo desse choque,
o que impressionou tanto?
AP — Porque eles não tinham aprendido
nada na escola, não frequentavam ateliês, e de repente surgem imagens tão
preciosas. De onde surgiu essa força interior? Não vou mais pintar porque minha
pintura não valia nada, era uma porcaria. Mas o encontro com o Mário Pedrosa
foi crucial, importante. Percebi que ele não era só político, tinha muitas
ideias interessantes.
Ele me deu o livro sobre a Gestalt. Eu lia aquilo com cuidado e percebi
que tinha um potencial para fazer algo.
FS — E essa condição do artista como
artesão, inventor, se reflete no espaço da sua casa. Alguns dos móveis foram
feitos por você. Como se deu essa divisão e ao mesmo tempo associação entre o
ateliê de artista e a área de design
e indústria? Lembro que durante muitos anos você dividiu uma fábrica com o
seu irmão. Havia um desejo de tornar a arte
pública?
Você poderia descrever o que era produzido por vocês?
AP — Foi a necessidade de me sustentar.
São duas situações diferentes. Na década de 1950 fundamos, eu e meu irmão, a
fábrica Arte Viva, que produziu os móveis com as pinturas feitas com vidro.
Depois de feitos pelos operários, eu pintava os vidros dos móveis. Na década de
1970, também com meu irmão, começamos uma produção industrial
dos objetos
de design e de utilidades, em larga produção, que tinham animais, por
exemplo, como tema. Era a Silon.
FS — Era você quem projetava e desenhava
tudo para a Silon?
AP — A maioria fui eu. Na Arte Viva, eu
fazia os desenhos dos móveis: cama, armário, mesas, cadeiras, enfeites. Tudo
era feito por mim. Contratávamos pessoas que já trabalhavam na parte de
marcenaria e executavam exatamente o que eu desenhava. As pinturas em vidro
começaram durante a Arte Viva e portanto passaram a ser inseridas nos
móveis. No
caso dos objetos de design, conseguimos uma importadora que fez com que
o trabalho tivesse uma aceitação imensa, brutal no mundo. Não tenho ideia de
quantas peças foram produzidas, se bobear foram mais de 1 milhão de peças em 20
anos de atividade. Isso durou até 1995, aproximadamente.
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