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Parceiros Voluntários defende incentivos à doação de bilionários
A secretária de formação Maria Elena Johannpeter está há 15 anos à
frente da ONG Parceiros Voluntários, mesmo tempo de existência da entidade. E,
daqui para a frente muita coisa vai mudar. Maria Elena sinaliza que a
organização, que soma mais de 450 mil pessoas envolvidas em projetos, vai
buscar sustentação financeira na capacitação do setor. E se governos e empresas
cobram prestação de contas e transparência, Maria Elena, com seu tom de voz
ameno e convicto, devolve exigindo menos marketing e mais comprometimento com
projetos sociais, defende que as ONGs entregam com mais eficiência resultados
sociais. Interessada que bilionários brasileiros possam doar mais ao setor, a
dirigente condiciona as doações à redução da tributação. Atenta ao novo marco
do voluntariado, em gestação no governo federal, Maria Elena previne que há
risco de introduzir a novidade do voluntariado remunerado.
JC Empresas & Negócios – Depois de 15 anos, quais são os
desafios agora?
Maria Elena Johannpeter – Fomos levados pela política nacional a
ter de nos cadastrar em uma de suas áreas, neste caso, de assistência social,
que inclui quem atua na assessoria. Isso está em vigor desde 2010, o que nos
levou a revisar o foco, que era em voluntariado e pouco em capacitação
gerencial. Temos certificação nos cursos de desenvolvimento das organizações,
que será o trabalho daqui para frente. Somos potencializadores das demandas das
comunidades.
Empresas & Negócios – E o que muda na atuação?
Maria Elena – Muda radicalmente. Antes tínhamos a sustentabilidade
atendida por fundadores e apoiadores. Agora, ao virar assessoria, temos de
transformar o ativo de experiência em ativo financeiro e em metodologias e tecnologias
sociais. Estamos indo ao mercado oferecer este produto, desenvolvemos projetos
e buscamos patrocinadores.
Empresas & Negócios – Isso não afasta os voluntários?
Maria Elena – Eles continuarão a vir. Ao dizer que estamos
potencializando as organizações, a ONG necessitará de recursoshumanos
qualificados. Mas não temos caixa suficiente para contratar e remunerar todos.
Os voluntários virão para apoiar as causas sociais.
Empresas & Negócios – Todas as ONGs podem custear essa
tecnologia de gestão?
Maria Elena – O divisor de águas foi a Rio-92, que instaurou o
voluntariado organizado, ligado a uma instituição e com metas. Antes, era
apenas voluntarismo ligado à vontade das pessoas.
Empresas & Negócios – Onde estão as oportunidades nesta nova
fase
Maria Elena – Há um potencial muito grande, pois no terceiro setor
poucos se preocupam em apoiar a boa gestão. O primeiro setor – governo - e o
segundo – empresas - repassam verbas ao terceiro, mas falta preocupação sobre
uma boa prestação de contas e transparência. Até porque o passivo não será
resolvido isoladamente, apenas unindo os três. Este é um discurso, mas na
prática ainda não há união de todos.
Empresas & Negócios – E quem está falhando? A ONG que não
entrega o que promete ou falta fiscalizar?
Maria Elena – É de tudo um pouco. Mas acredito que deve ter
mudança de mentalidade. Desde que começou a ter as novas regras, não houve
cobrança de melhor gestão, o que se inverteu nos últimos cinco anos, com a
exigência de prestação de contas. Por isso, montamos o projeto com o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), para testar a metodologia Princípios
de Transparência e Prestação de Contas para ONGs, entre 2008 e 2011, implantada
em 76 entidades.
Empresas & Negócios – Há muito descontrole das contas?
Maria Elena – Muitas entidades se equivocam, não por má-fé, mas
por ignorarem as regras de gestão. Não estou falando de 1% das 338 mil que são
corruptas, estimativa minha, mas a mídia faz um estardalho que parece que é
todo o setor. Há um ano houve escândalos e se estampava nas manchetes que as
ONGs eram corruptas.
Empresas & Negócios – Qual é o universo que consegue prestar
contas?
Maria Elena – Metade das 76 do projeto com o BID, por exemplo,
conseguiu assimilar toda a metodologia de transpa-rência, pois exige governança.
O terceiro setor precisa estar organizado para mostrar a aplicação a quem
repassa recursos, que inclui a população. Mas o segmento não pode virar bode
expiatório, pois nem o governo e as empresas têm tanta transparência. Não
defendo que não tenha de ter, se não faz isso, perde verbas.
Empresas & Negócios – Como saber a destinação das verbas das
ONGs?
Maria Elena – Existe um site do governo federal no qual é
registrado qualquer repasse de dinheiro público, problema que é muito difícil
de ser acessado, mesmo com um passo a passo para o preenchimento das
organizações. O curso para operar leva três dias. Muitas optam por ajudar o
público da organização a deixar alguém na frente do computador para tentar se
habilitar. Mas é preciso estar atento, pois muitas empresas estão criando seus
próprios institutos para fazer suas ações sociais, o que exigirá maior
qualificação do terceiro setor.
Empresas & Negócios – Esta atitude das empresas não reduzirá o
espaço do voluntariado?
Maria Elena – Essa não é a saída. As empresas têm de fazer muito
bem o que sabem, e o terceiro setor também, um deles é de otimizar recursos, do
pessoal ao financeiro. O fundador da administração moderna Peter Drucker dizia
que as empresas tinham muito a aprender com as ONGs. Quando uma companhia ou
governo querem fazer por si pagam mais caro. Por outro lado, o retorno de cada
um fazendo a sua parte é bem maior.
Empresas & Negócios – Milionários brasileiros são bons
doadores?
Maria Elena – Diria que o brasileiro é, por natureza, solidário, e
isso significa também que doa dinheiro. Todavia, nossa legislação não incentiva
esse gesto. Paga-se muito imposto de renda sobre o valor, diferentemente da
regra americana, na qual o doador consegue abater quantias grandes do tributo
devido. Aqui, valor pequeno ou grande, o imposto segue o mesmo patamar. Seria
importante mudar a lei para incentivar mais contribuições. Com o sistema atual,
muitos bilionários preferem doar no exterior.
Empresas & Negócios – A crise econômica reduziu os recursos
para as ONGs?
Maria Elena – Sim, afetou, após 2009. Diante do menor volume
financeiro, reduziu o apoio a projetos sociais. Não que isso implique
fechamento de organizações, pois seusfundadores são idealistas. Muitos projetos
bons e com bons resultados deixam de ser executados ou ampliados, pois dependem
do financiamento. Mas tudo tem dois lados, pois pressionará na busca da gestão
como fator competitivo. A Parceiros busca diversificar, com projetos como a
formação de lideranças nas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Nosso
orçamento anual é de R$ 3 milhões, sendo 40% de patrocinadores e o restante de
projetos, área em que pretendemos crescer, para não sermos surpreendidos por
uma nova crise. Geralmente, quando o mantenedor sai, não volta. Outros mudam
anualmente de foco. Com isso, projetos começam com apoio, e, depois, altera-se
o público, e a organização perde o patrocínio.
Empresas & Negócios – Mas isso não é muito utilitário?
Maria Elena – Isso depende de as empresas perceberem que não estão
apoiando uma marca, mas uma causa. É preciso ter visão mais ampla, não só a do
marketing.
Empresas & Negócios – As novas regras contábeis beneficiam o
setor?
Maria Elena - O Conselho Federal de Contabilidade (CFC) lançou
resolução para que o balanço de 2012 mensure as horas e o valor financeiro do
voluntariado, o que exigirá contabilizar desde 2011, para haver comparação.
Como o País segue as regras contábeis internacionais, ajudamos a ONU a
dimensionar o capital social dos países. Isso é muito bom, pois o projeto tem
valor pelo seu trabalho, depois pelas marcas das empresas que se associam e, em
terceiro lugar, pelo número de voluntários. O Banco Mundial (Bird) olha sempre
para estes quesitos.
Empresas & Negócios – O que se espera do marco legal para o
voluntariado?
Maria Elena – A Presidência da República estuda há dois anos a adoção de
um cadastro nacional, no qual será importante decifrar o que é voluntariado. A
Lei 9.608, de 1998, tem cinco artigos, é curta e clara sobre o que é o setor. O
que for inventado, além disso, devemos prestar atenção. A preocupação é que se
abra para o voluntário ser remunerado, o que descaracterizaria a atuação. Isso
não está claro no projeto, o que pode dar margem a jeitinhos brasileiros.
ONG Parceiros Voluntários